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BIBLIOTECA PARQUE VILLA-LOBOS: QUEM É MESMO QUE NÃO GOSTA DE LER?

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Foi uma manhã especial. Tinha design criativo, aconchegante luz natural. Tinha barbantes coloridos que se envolviam em um círculo. Estávamos dentro de uma flor aberta? E os bancos feitos de esteiras, que abrigavam os adultos, as crianças de todas as idades, até os bebezinhos! Sim… os be-be-zi-nhos! Poucos meses de vida e já viviam aquele belíssimo lugar! E de trilha sonora? Revoadas de quero-quero. Era a primeira vez da minha família na Biblioteca Parque Villa-Lobos, no parque da zona oeste de São Paulo.

A caminhada já cria uma boa espera. Passear pelo Villa-Lobos tem um quê de lentidão e diversidade. Você tem vontade de andar devagar, ao mesmo tempo em que grande parte dos visitantes está envolvida na alta velocidade nas bicicletas, patins, skates, patinetes. Caminhar ali já é lidar com esta mistura, com desvios, obstáculos. É conviver.
A biblioteca segue este clima. Localizada em um prédio ao lado do conhecido orquidário, ocupa um espaço de 4 mil m2 e segue o modelo da Biblioteca de São Paulo, no Parque da Juventude, e também os das bibliotecas parques (as do Chile, Colômbia, Rio de Janeiro…). Na entrada, espaço para estacionar bicicletas, skates, etc. Um cadastro e um documento com foto e você já sai de sócio do lugar. A entrada é encantadora: a tal flor é um convite irrecusável à leitura.
O acervo é distribuído nas laterais do espaço, que também contém mesas e poltronas. A seção que primeiro chama a atenção é a dedicada aos livros infantis, por razões óbvias: onde há cores e crianças, todos olham.

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O acervo é bem cuidado, mas me intriga um pouco a opção por colocar brinquedos e bonecos de personagens de TV. Claro que levam as crianças para o espaço, como metal atraído por ímãs. Mas será que os livros têm alguma vez depois? O fato é que vi ali famílias dividindo opiniões e escolhendo o que levar para casa.

Clarice, minha filha, se sentiu em casa.

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Olha ela na dúvida…

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… depois acabou cedendo aos brinquedos (e achei que, para ela, só fez o lugar parecer melhor ainda)

 

A volta rápida que conseguimos dar no lugar nos mostrou a divisão para livros de adultos…

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… uma disposição bem bacana colocando filmes e livros que os inspiraram um ao lado do outro – a biblioteca é também dar este tipo de informação -, audiolivros e um espaço em que havia uma exposição com trabalhos do artista plástico Rubens Matuck.
Ah, ela estava cheia de gente.
Lendo, sabe?
Quem é mesmo que não gosta de frequenter bibliotecas?

A Biblioteca Parque Villa-Lobos funciona de terça a domingo, das 10 às 19 horas. Tem uma programação diária com atividades de leitura – de clube de livro a oficinas para estimular a leitura crítica, passando por incentivo ao hábito a partir dos bebês. Veja mais aqui.

BRINQUE-BOOK LANÇA CANAL COM CONTAÇÃO DE HISTÓRIAS

 

 

BRINQUECONTAHISTORIAO que é contação de histórias? O que é mediação de leitura? Se conto/interpreto uma história sem o livro na mão, realmente estou mediando um livro? E os gadgets colaboram ou atrapalham? As questões que movimentam as conversas entre especialistas – e, algumas vezes, provocam certos equívocos – não estão entre as preocupações da minha filha Clarice, de 2 anos e 8 meses. Não pelo fato de ela ter pouquíssimas preocupações nesta idade. Mas porque ela está curtindo livremente o “Brinque-Book Conta Histórias com Marina Bastos”, que a editora acaba de lançar em seu canal no Youtube. Toda às quintas-feiras, Marina – que tem um trabalho muito bom, diverso e, principalmente, verdadeiro – apresenta uma nova história.

No momento em que escrevo, ela está ao meu lado aqui assistindo aos vídeos em meu Iphone, enquanto os dois livros já gravados – o clássico Até As Princesas Soltam Pum, de Ilan Brenman e ilustrações de Ionit Zilberman, e O Guarda-Chuva, de Ingrid e Dieter Schubert –estão aqui deitados na cama com ela.

Quando apresentei o primeiro vídeo com a história do Ilan, eu disse a ela que possuía o livro aqui em casa. Ela, em sua memória sempre recente, não estava lembrada – até porque, com certeza por minha mediação espontânea este livro levaria um pouco mais de tempo para ser apresentado. No dia seguinte, quando quis assistir novamente, pediu o livro para mim. Como já tinha assistido quatro vezes, pegou o livro nas mãos e começou a ler sozinha, virando as páginas, numa mistura do que ouviu de Marina, do que eu contava e do que identificava nas ilustras de Ionit. Uma delícia de ver ela se entendendo com a história de Laura que um dia chega da escola com uma dúvida cruel: “as princesas soltam pum?”. O pai diz que acha que sim, mas a menina não se conforma. Então ele revela um segredo: na biblioteca de casa havia uma obra especial: O Livro Secreto das Princesas. E é no capítulo “problemas gastrointestinais e flatulências das mais encantadoras princesas do mundo” que eles encontram relatos surpreendentes sobre Cinderela, Branca de Neve e outras princesas. Não à toa, o livro é um sucesso de vendas e está traduzido em vários cantos do mundo (inclusive na Coreia!).

Confira o Até As Princesas Soltam Pum aqui:

Contei a ela que havia mais um vídeo, do livro O Guarda-Chuva, que eu havia lido para ela há algum tempo e que também tinha na minha estante. Ela se lembrou de que era sobre um cachorro que voava de guarda-chuva. O livro é só de imagens, é belíssimo do começo ao fim (a história começa na guarda da capa, um detalhe genial) e mostra um pequeno cachorro pegando carona no guarda-chuva, sendo soprado para grandes aventuras. Clarice assistiu e pediu o livro antes mesmo de o vídeo terminar. Queria urgente tê-lo nas mãos e passou a imitar a Marina (“mais pa tás, cocodilo”, repetia ela, quem vir o vídeo vai entender!), feliz da vida.

Confira o O Guarda-Chuva aqui:

Este é um tema que discuto há tempos. Quando trabalhar na revista Crescer, bolamos no site o projeto Livro Contado, em que convidávamos artistas para adaptar um livro em um vídeo de poucos minutos.

Veja aqui um deles, Margarida, de André Neves, contado por Giba Pedroza:

Foi uma delícia acompanhar as gravações e perceber como um livro realmente bom pode ter muitas maneiras de ler, interpretar e contar. Pois o que vale é provocar este encantamento inesquecível.

O LADO POÉTICO DOS DINOSSAUROS

 

Num ninho de criolofossauro

Havia dez criolofossaurozinhos.

Quem os descriolofossaurizar

Bom paleontólogo será!

 

Quando você pensa em dinossauros, o que vem primeiro à mente? Uma imagem de um gigantão rouaaaaar, pra cá rouaaaaar, pra lá, andando pesadão, em busca de alimento, matando um, morrendo outro, aquela luta danada pela sobrevivência… É o que a História e a Ciência nos apontam, mas não é só isso que sabemos sobre os dinossauros. E, principalmente, não há apenas esta maneira bruta de ter referência deles.

Um casal de autores brasileiros está de olho na, digamos, imagem propagada dos gigantes da pré-história. Um deles, Luiz E. Anelli, é paleontólogo e professor da USP, autor de diversos outros livros (inclusive para crianças) e o idealizador da exposição Dinos na Oca, que aconteceu em 2006 no Parque do Ibirapuera, em São Paulo (quem foi jamais esqueceu!). E quem está lançando dois livros ao lado dele é Celina Bodenmüller, estreando na escrita, mas há muitos anos entendedora e apaixonada por livros infantis, como criadora da Livraria Panapaná, na região sul de São Paulo.

Foi ela que achou que combinaria bem um livro de poemas sobre dinossauros. Quem pensaria uma coisa destas? E Anelli achava que era hora de tratar do cotidiano deles, mostrando-os como animais (e não como monstros ou seres imaginários), falando sobre seu dia-a-dia como a relação de pais e filhotes. Por que não? Afinal, os dinossauros também têm seu lado poético, oras!

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Assim, surgiram dois livros. O primeiro que vou falar é o dicionário poético ABCDinos, recém-lançado pela Editora Peirópolis e com ilustrações de Graziella Mattar, e que tem o verso com o qual eu comecei este texto. O segundo, Dinossauros – O Cotidiano dos Dinos Como Você Nunca Viu, com conteúdo e forma mais próximo a um paradidático, lançado pela Panda Books e com ilustrações de Biry Sarkis, e que está chegando em março nas livrarias.

Foi Celina também quem sugeriu: “Vamos fazer um livro ABC, em que haja um dinossauro para cada letra. A gente consegue misturar informação científica com poesia e é ótimo também para brincar no processo de alfabetização. E, como sou leiga, fui pinçando o que era surpreendente para mim e fomos construindo juntos, também buscando brincar com palavras do universo infantil como ‘pum’, ‘meleca’ e ‘bicho do além’, esta última para falar de animais mortos”.

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Ao mesmo tempo, Anelli, do auge da sua experiência, havia uma pergunta que vai e volta na sua cabeça: “Venho pensando muito sempre: por que criança gosta tanto de dinossauro? Acho que tem vários pontos. Elas gostam de se exibir sobre o que sabem e descobrem, gostam da sensação de conhecer algo que os pais não sabem. Os dinossauros também fazem parte da categoria do ‘grandão’ e as crianças adoram isso. E comecei a ver que nos livros predomina a questão do horror, da matança.” Ele procurou, como em todos seus livros, deixar esta fantasia que tanto atrai a criança, mas com o compromisso do rigor da ciência. “Os dinos são um super instrumento da educação para mostrar a evolução da vida, pré-história, e é um assunto que geralmente não se leva muito a sério.” E percebeu que os dinos eram pouco explorados na sua categoria mais básica: animais.

 

Em Dinossauros, o leitor entende que nem todos eram grandes e ferozes, que berravam quando sentiam dor, como são as marcas de xixi e cocô que eles deixaram, e que os filhotes eram brincalhões do tipo de dar cambalhotas e subir em árvores. “E, ao contrário do que se pode imaginar, os dinossauros não são uma paixão de infância minha: são uma paixão de adulto. Na universidade eu precisava ter uma imersão no meu estudo, e os dinossauros foram e são meus melhores professores: tornaram mais interessante a pré-história para mim.”

O trabalho de um e de outro se aprofundou tanto na medida entre ludicidade e ciência, que a criação de ambos ilustradores teve a participação completa dos escritores. Não poderiam correr o risco de colocar características ou até mesmo animais que não correspondessem às suas épocas exatas. “A gente mandava fotos como referência ou descrevíamos o máximo possível não só para o desenho do dinossauro, mas também sobre o que estava em volta dele como as plantas, por exemplo, e a Graziella usou tudo muito bem”, conta Anelli, mostrando os detalhes da Graziella Mattar em ABCDinos.

O mesmo aconteceu com Biry Sarkis, um mestre dos desenhos grandes e cheio de surpresas (vide suas ilustrações na seção Cadê, da revista Recreio) e humor (desde a capa).  “A galeria que ele fez no final é incrível. Você fica um tempão procurando detalhes”, conta o escritor, cheio de orgulho de uma espécie de dom nem tão comum de encontrar por aí: o prazer de compartilhar conhecimento.

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ABCDinos (Editora Peirópolis)

Textos de Celina Bodenmüller e Luiz E. Anelli

Ilustrações Graziella Mattar

2015

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Dinossauros – o Cotidiano dos Dinos como Você Nunca Viu (Editora Panda Books)

Textos de Celina Bodenmüller e Luiz E. Anelli

Ilustrações Biry Sarkis

2015

 

OPERAÇÃO BIG HERO, o Oscar de 2015

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Assisti à animação Operação Big Hero, lançada pela Disney ano passado, um dia antes de a obra ser consagrada com o Oscar de melhor animação. Embora eu acompanhe lançamentos e suas repercussões, confesso que sentei no sofá um tanto quanto desavisada. Eu não havia lido as tantas críticas que o comparavam a Frozen, por exemplo, pelo fato de a história destacar o amor entre dois irmãos (“de-no-vo”).

Ainda bem.

Pois esta comparação que – na maioria das vezes – vem com um tom do crítico/jornalista dizer “ahá, você não me engana, está pegando aquela fórmula que deu certo, eu percebi!!”, para mim, não tem razão. Até porque, ao contrário de toda a humanidade, não me encantei por Frozen.

Também indicado ao Globo de Ouro e ao Bafta, Operação Big Hero é uma graça. Começa com uma atmosfera violenta, uma vez que Hiro, o protagonista, é um gênio da tecnologia e está usando-a, digamos, para fins não muito edificantes. Tudo se passa em Sanfransokyo – uma das referências mais divertidas do filme, uma mistura das cidades San Francisco e Tokyo, qual nerd não gostaria de morar lá? – e o início da história mostra o garoto numa espécie de rinha de robôs, onde, claro, seus donos/manipuladores apostam dinheiro. É o irmão, Tadashi – também um inventor -, no entanto, e uma especial turma de amigos, que tentam mudar o foco das ações do garoto para que ele crie algo bacana como forma de ingressar na faculdade.

Ele o faz.

Mas é aqui que tudo se transforma ainda mais profundamente na vida do gênio de 14 anos, órfão de pai e mãe e que só tem o irmão e uma tia que há anos cuida dos dois. Ele constrói uma série de mini-robôs que, juntos, são poderosíssimos. A apresentação do garoto em uma feira de invenções encanta a todos, como um progresso almejado e bom para a humanidade. Só que, na mesma noite, um incêndio acontece no lugar e Tadashi morre.

Bem, é claro que Hiro se entristece profundamente e, mesmo aceito na faculdade, perde o estímulo de continuar. Por mais que a tia e os amigos tentem dar uma força é um fofíssimo robô branco e gigante que tira Hiro da depressão: e é aí que o telespectador pode se apaixonar por Baymax, uma invenção de Tadashi que se torna a sensação do filme.

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Ele tem as características de um adorável animal de estimação companheiro (li no site da revista Crescer que os produtores se inspiraram nos movimentos dos pinguins!!) misturado ao poder da tecnologia. Como é um chip que o controla, Hiro é capaz de o transformar em um super-heroi. Sim, sim. No meio da história descobrimos que há um vilão na parada e é a história de vida dele que faz do enredo ainda mais interessante.

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É pela necessidade de combatê-lo que somos apresentados aos seis herois dos quadrinhos da Marvel que inspiraram o longa e que nos parece merecer uma continuação. Uma curiosíssima sequência a mais depois dos créditos com a aparição de um famoso deixam os fãs de quadrinhos com gosto de quero mais, e as teorias sobre certos acontecimentos no filme conectando-os às histórias nos quadrinhos também mostram que surpresas podem habitar futuras histórias.

Para completar, Operação Big Hero tem enquadramentos belíssimos…

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… ótimas cenas de humor e pequenas delicadezas perfeitas para se conversar com a criança ou adolescente: Hiro é um gênio, sem dúvida. Mas faltam a ele experiência e maturidade para tomar decisões sozinho. E isso não é sinal de fracasso.

Operação Big Hero (Disney)

Em DVD e Blu-Ray

2014

 

OS 11 LIVROS INFANTIS (DO MOMENTO) PREFERIDOS DA MINHA FILHA

Não são os melhores livros do ano.

Não são os melhores livros de todos os tempos.

Esta é a lista dos livros mais queridos da Clarice, minha filha, de 2 anos e 7 meses, por uma série de razões, motivos e porquês.

Por que esta lista é interessante aqui?

Porque este blog/site é uma mistura da minha experiência com livros infantis – em um acompanhamento de lançamentos e ritmo de leitura mais intensos nos últimos 10 anos – com a experiência leitora da Clarice, que bebe do incentivo ao livro aqui em casa (desde a gravidez) comigo e na escola (desde os seis meses). Eu me surpreendo a cada dia com o que ela observa nas publicações, muitas delas que conheço há tantos anos.

Assim, listarei os livros mais como uma troca divertida do que qualquer outra coisa e farei umas linhas sobre cada um:

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Este é um livro-brinquedo que se constrói e se “desmancha” para o leitor conforme o virar das páginas. Desde a capa o leitor vê dois buracos e a figura do tal monstro. Mas é folheando que ela acompanha nos recortes das páginas a figura do monstro se formando: olhos amarelos, nariz azul-esverdeado, boca vermelha, dentes brancos afiados… E, quando ele se dá por completo, o leitor lê (ou ouve) “você não me assusta”, e a própria leitura retira do monstro suas características até que ele desapareça por completo. Clarice delira. Ela o conheceu na escola – ele é um hit na classe dela – mas eu já tinha em casa (o que fez dela naquele momento a menina mais feliz do mundo!). E, conforme vai crescendo, cria uma relação de poder maior com o livro e, portanto, de ver este monstro surgindo na frente dela e tendo mais coragem de desconstruí-lo. A graça é decorar a história, seja na leitura sozinha ou comigo. Sim, o aqui de casa ela acabou rasgando, pois os recortes são em folha couchê, não em cartão, por exemplo. Mas por enquanto eu ainda não o substitui por um novo: ela está lidando com estes estragos e se incomoda quando os vê, então estou achando bom.

 

CASADOSBEIJINHOSCAPAA Casa dos Beijinhos, de Claudia Belinsky, Editora Companhia das Letrinhas, 2007.

O livro é um clássico entre os pequenos desde que foi lançado e eu não tinha no meu acervo em casa. Mas comprei no dia em que a Clarice topou com ele em uma livraria: ela já havia se apaixonado na escola. Ela tem uma versão um pouco menor do que a original, lançada em 2013, mas que segue o mesmo projeto do primeiro. O protagonista é um cachorro que chega em casa e lança a pergunta: “Cheguei! Tem alguém para beijar o neném?”. A primeira resposta é de uma aranha: “Beijinho de Aranha? Ah, não, se não eu faço manha!”. E por aí vai em rimas e nonsense, sempre com as provocações em texto guardadas por abas que são desenhadas conforme a casa do personagem vai se revelando para o leitor. Clarice ama abri, reabrir e me mandar abrir as abas e adora as rimas, além de tentar concretizar tudo que ouve, com gestos ou sensações. O livro termina, claro, com o beijinho do papai e da mamãe, que dá o conforto esperado para o pequeno cachorro.

 

QUALOSABORDALUACAPAQual o Sabor da Lua?, de Michael Grejniec, Editora Brinque-Book, 2007.

Embora eu ame este livro desde que foi lançado aqui, comprei um para mim somente no ano passado, também para meu acervo. Não me lembro exatamente a razão, mas um dia resolvi contar a história para Clarice. Bem, eu tenho adoração por contos acumulativos e este é incrível. Conta a história de uma turma de animais que desejavam profundamente saber qual era o gosto da Lua. Seria salgada? Doce? Mas ninguém conseguia alcançá-la. Um dia, uma tartaruga subiu a montanha mais alta para fazer uma tentativa. Como não teve êxito, chamou o elefante (acho a entrada dos animais fantástica, pois a ironia é clara). “Se você subir nas minhas costas, talvez a gente consiga alcançar a Lua”. Só que a Lua achou que fosse uma brincadeira e, quando o elefante se aproximou, ela subiu mais um pouquinho. Chamaram a girafa… E por aí vai, sempre repetindo um pouco o pedido de subir nas costas e mantendo o ritmo de acúmulo de personagens com o apoio do projeto gráfico. Clarice hoje já sabe a ordem de entrada dos animais e uma mediação em tom de exagero é o que ela mais ama. Parece que a história acaba quando eles finalmente conseguem provar a Lua. Que nada: na última página, o leitor ganha um final a mais, uma piada a mais que Clarice ainda não entende completamente, mas gosta que eu leia. Todo o livro está escrito em letra bastão, aquela “de forma”, ótimo para a fase de alfabetização, o que quer dizer que Clarice pode degustar o livro por muito tempo, de diferentes maneiras. A tentativa de ela falar o nome do autor é um dos melhores momentos, rs.

 

UMELEFANTESEBALANCADCLUm Elefante Se Balança…, de Marianne Dubuc, Editora DCL, 2013.

Comprei este livro na feira da escola da Clarice, pois amo os livro da Marianne Dubuc. Com este não foi diferente. Todo em papel cartonado, ele apresenta já na primeira dupla, um elefante que se balança em uma teia de aranha. Ele passa, a partir de então, a chamar outros animais para equilibrar-se com ele. Aquilo vai enchendo e ficando, digamos, emocionante. As frases são bem curtas e fáceis da criança memorizar, mas as ilustrações são bem engraçadas e com detalhes de movimento que a Clarice ama ver e rever. Todos vão subindo na teia enquanto dá aquele frio na barriga de que aquilo tudo não vai acabar bem. Mas é a própria aranha quem corta a teia – com uma tesoura – e todos vão para o chão. Clarice ama como os personagens e seus objetos se misturam e mudam de lugar. O final também surpreende, embora acredito que a Clarice não entenda exatamente por que. Gosta mesmo do movimento e de como tudo “acaba bem”.

 

GildoBOMCAPAVamos Ajudar o Gildo?, de Silvana Rando, Editora Brinque-Book, 2014.

O Gildo é um elefante adorável que surgiu no mercado pelo traço e imaginação de Silvana Rando, em 2010. Na história, ele é corajoso para tudo, mas tem pavor de bexigas. De uma forma bem criativa, a história apresenta a relação da criança com medo, com um final surpreendente e primorosos detalhes da ilustração. Eu ainda não havia apresentado-o para a Clarice, quando me deparei com o lançamento ano passado de uma edição da Brinque em que o personagem é colocado não somente em outra situação, como também em uma interatividade muito divertida. Nesta série (que também apresenta o Ai, Machuquei, de Thiago Lopes), o elefante Gildo é exposto em sete situações diferentes, uma em cada dupla, tudo em papel cartonado. Mas a interatividade acontece no seguinte: na capa do livro há um buraco no formato dele em que temos um Gildo de plástico (dos livros de banho) amarrado em uma fita, como se fosse um marcador de páginas de diários. A função do leitor é retirar o “boneco” da capa e ir grudando-o em cada situação apresentada, com a ação indicada por um velcro redondo. Você pode pensar: “mas é livro? Tem alguma enredo?”. O que vejo é o processo da Clarice de apropriação das situações e elaboração de vocabulário, exatamente como uma brincadeira-história. Adorável.

 

BRUXINHAZUZUCAPABruxinha Zuzu e Gato Miú, de Eva Furnari, Editora Moderna, 2010.

Eva Furnari é um das minhas autoras preferidas e não imaginei que Clarice fosse se envolver com ela tão cedo. Mas como os livros estão em minha casa e traçando por ela seus próprios caminhos, Clarice conheceu a Bruxinha por este livro lançado na fase recente de Eva recriando seus clássicos. A personagem dela mais importante, e que nasceu em tirinhas na Folha de S. Paulo nos anos 1980, nesta ediçãoo ganhou nome para ela seu companheiro. Mas as trapalhadas são as de sempre – as que conquistaram e conquistam milhares de leitores. Eu fui lendo as tiras sem texto com a minha filha, tentando dar referências a ela e me surpreendi muitíssimo quando vi que ela também criava as próprias. Para ela, ver a Bruxinha dormindo no sofá era mais do que suficiente para ela se envolver com a leitura e dar risada comigo. Vi que ainda é um início, mas ela já tem carinho pela Bruxinha e, quando fomos ver a exposição sobre a Eva no Sesc Ribeirão Preto ano passado, Clarice já se sentia “em casa”.

 

Pipo e Póli – A Poça, Pipo e Poli – A Superpatinete, de Axel Scheffler, Editora Brinque-Book, 2013.

Os dois livros foram lançados juntos e assim chegaram aqui em casa também. Ou seja: Clarice teve acesso aos dois ao mesmo tempo e até hoje uma leitura não acontece sem ser seguida da outra. Confesso que quando o li pela primeira vez achei que estava diante de um livro “simples demais”. Precisei da mediação da Clarice para me encantar. Mesmo que de formas diferentes, Clarice lê este livro desde 1 ano de idade. A princípio eram as cores fortes e o tamanho quadrado que parecia que unia livro e leitor. Depois, os animais: Pipo é um coelho e Póli uma ratinha. Depois ela foi se envolvendo com a minha leitura e acredito que não somente as escolhas de Scheffler como a sempre boa tradução de Gilda de Aquino colaboram demais. As frases são simples e diretas, mas a descrição se completa e se revela no desenho. Os dois livros acontecem a partir do encontro destes dois amigos que adoram brincar juntos.

PIPOPOLIPOCACAPAO livro A Poça conta quando Pipo foi brincar na casa de Póli em um dia de chuva. Os dois estavam se divertindo tanto que Pipo esqueceu de ir ao banheiro fazer xixi. Já imaginam o que houve, não? A “poça” escapa no meio do quarto e ele fica muito envergonhado. O autor trabalha com essa questão extremamente aflitiva da criança e, conforme Clarice viveu o desfralde, o livro se transformou para ela. E virou ainda mais obrigatório.

 

PIPOPOLIPATINETECAPAO segundo, A Superpatinete, fala de um dia em que os dois vão brincar no parque e Pipo chega de patinete, arrasando. Póli fica doida com o brinquedo e arranca à força do amigo para experimentar. Só que ela leva um baita tombo. O amigo a acode e tudo acaba bem, claro. Também próximo do cotidiano – a disputa de brinquedos – ele chegou com tudo no coração-leitor da Clarice, fazendo com que ela se emocione com a dor de Póli. E, de quebra, cada detalhe das ilustrações foi se transformando em conquistas de significado, que eu fui introduzindo conforme as referências dela foram se sedimentando. Por causa dele, Clarice chama de “patinete” tudo que tiver uma prancha.

 

COCONOTRONOCAPACocô no Trono, de Benoît Charlat, Editora Companhia das Letrinhas, 2006.

Este também é outro clássico entre os livros-brinquedos para os bebês. Ela conheceu primeiro na escola, mas eu quis comprar para ter como acervo para meus estudos. O livro é uma sucessão de apresentações de animais fofos sentados em privadas. Cada página aparece um com uma frase que define os cocôs. Mas isso acontece na maioria de forma nonsense, naquele “tudo pode” divertido que a criança ama. Para a fase do desfralde, é a opção número 1 na livraria, embora Clarice tido acesso a ele antes. No final do livro, a criança consegue apertar um botão invisível e ouvir uma descarga: é a conquista do pequeno pintinho que já faz “cocô na privada, sozinho, como gente grande!”. Não sejam preconceitos achando o livro “bobinho”: ótima leitura!

 

pocotocapasoPocotó, de Silvana Rando, Editora Compor, 2014.

Este livro Clarice conheceu durante um jantar e eu já até falei dele aqui. É um dos meus truques para fazer com que ela coma, confesso. Li a primeira vez, atentando bastante para os detalhes das ilustrações, enquanto narrava a trama. Tive que repetir umas cinco vezes. O jantar todo foi ao lado do livro e ela ficou encantada com ele por muito tempo. Na história, um cavalo que trabalha no abastecimento de um castelo real sonha em fazer parte da guarda oficial. Quando finalmente é escolhido, se surpreende quando nota que, na verdade, será o bicho de estimação da Princesa Pipoca e, assim, vive aventuras inesperadas que dão uma virada na história. Como a personagem tem cachinhos loiros, eu disse a Clarice que elas se pareciam. Pronto: em toda leitura Clarice me acompanhava obrigando-me a dizer “princesa Clarice Pipoca”. Esta identificação fazia tudo ficar mais divertido para ambos os lados, e marcou até tios e primas mais velhas que liam com ela.

 

SEUSONINHO2Seu Soninho, Cadê Você?, de Virginie Guérin, Editora Companhia das Letrinhas, 2008.

Este é um clássico da literatura infantil em pop para os pequenos. Na história, um jacaré perde o sono e incomoda todos os animais em busca do “Seu Soninho”. Além das abas e flechas que fazem olhos e bocas se abrirem e fecharem e outras brincadeiras, a história é deliciosa. Clarice conheceu o livro na escola e, como a leitura acaba acontecendo várias vezes, ela constantemente abre o livro e diz: “Os animais da floresta acabaram de almoçar. De barriga cheia, todos tiram uma soneca”, que é o início do livro. Claro que estas palavras já saíram a boca de Clarice de várias maneiras diferentes, foi um jeito de acompanhar as fases da linguagem. Este livro também foi danificado quando era ela tinha 1 ano e meio mais ou menos e, até hoje, se dar conta das partes que faltam são um drama para ela. Acho importantíssima oportunidade para ela aprender a cuidar do livro, e ir treinando lidar com objetos delicados.

 

Estes 11 livros são somente uma mostra de como a diversidade de leitura pode acontecer desde tão cedo com a criança. É a criação de repertório que fará com que ela crie critério para as predileções futuras e, principalmente aguce mais as emoções, imaginação e criatividade! Mas o principal eu não consigo escrever aqui como acontece: qual a magia que laça um leitor em um livro? 

 

 

 

 

O Voo das Borboletas

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O tamanho impressiona. Mas não é só isso. A capa dura suporta uma imagem forte. A menina está triste e o tom se dá nas luzes da ilustração. Duas borboletas azuis parecem voar de verdade.

É tudo obra de Benjamin Lacombe, um dos ilustradores da nova geração da França que vem ganhando o mundo. Abra o livro e saiba por que.

A primeira dupla de O Voo das Borboletas (Ed. Positivo) é o próximo impacto. De um lado, as sombras de duas pessoas. Do outro, uma mulher ouve a conversa. Naoko, uma menina com seus 14 anos recém-completados, ouve do pai que será obrigada a sair de casa e enfrentar a cidade grande. A rigidez da cultura japonesa de tempos atrás se revela: ela, que sempre vivera em uma pequena aldeia, deve passar uma temporada na cidade para ser transformada “numa mulher da sociedade”. Era só mais uma etapa de um amadurecimento difícil após a morte da sua mãe.

Naoko não queria aprender a servir chá, agitar os leques “com rapidez e graça”.

 O que ela gostava de fazer era ler, escrever poemas e haicais, rir quando estava feliz e chorar quando se sentia infeliz. Mas tudo isso era proibido para um menina decente.

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É quando ela tem uma ideia: vai se vestir como garoto e estudar literatura! E implora à sua fiel criada que a deixe sozinha na cidade. A menina, então, se aventura pela cidade até que esbarra em um belo jovem. É Kamo, um estudante. Logo se tornam amigos. Divindindo confidências e sonhos, os dois se apaixonam, mas Kamo não sabe que Naoko é uma garota.

Certa manhã, uma virada inesperada: após receber uma carta da criada, ela volta para a casa e é surpreendida com a notícia de que está prometida em casamento a um homem importante. Do outro lado, Kamo descobre a partida de Naoko e, com uma pista deixada por ela, que se trata de uma garota. Parte em busca de reencontrá-la.

A angústia da história ganha um vigor das grandes histórias de amor, com as referências estéticas da cultura japonesa, o traço preciso, com cores e texturas que nos dão a impressão de que os desenhos podem desgrudar do papel. Como as borboletas que dão seu voo por todo o livro, nos revelando que, no amor, muitas vezes a perda é um inevitável jogo de resistência.

 

O Voo das Borboletas (Editora Positivo)

Tradução Ana Caperuto

Textos e ilustrações de Benjamin Lacombe

2014

 

PS – tenho, porém, duas observações à edição. Primeiro, faz muita falta a biografia do autor e do tradutor, muita mesmo. E, segundo, o livro tem notas de rodapé para explicar termos japoneses e, por mais que eu entenda sua utilidade, eu ainda tenho incômodo na leitura.

O Paraíso São Os Outros, de Valter Hugo Mãe

Desde criança sempre amei histórias do tipo “como vocês se conheceram?”. De amizade, claro, mas de casais mais ainda. De como começam as histórias de amor. O escritor angolano Valter Hugo Mãe, um dos mestres de nossa língua portuguesa, fez um livro exatamente para esta minha curiosidade. Em O Paraíso São Os Outros, uma menina elabora observações sobre a vida a dois. Só que isso pelos dedos de um bom escritor se torna muito mais do que pensamentos. Lembrando Manoel de Barros: vira “matéria de poesia”.

Os casais são criados por causa do amor. Eu estou sempre à espera de entender melhor o que é. Sei que é algo como gostar tanto que dá vontade de grudar. Ficar agarrado, não fazer nada longe. Os casais são isso: gente muito perto.

Mas o livro puxou mais ainda da minha memória, ao ser fruto de uma narrativa a partir de fotos antigas de casamento, daquelas que eu sempre amei ver no álbum dos meus pais, daquelas em que há dedicatórias a parentes. Como esta aqui:

PARAISORIEstas pedras coloridas compondo as imagens são obra do artista plástico paulistano Nino Cais. Em visita ao amigo, Valter se deparou com as manipulações das fotos, e foi o salto para a menina-pensadeira sair da cabeça criativa do escritor para o papel. Daí o livro ser criado em parceria, com uma sucessão de reflexões sobre vários tipos de casais – de animais, inclusive –, em várias etapas da vida, sempre colocando-nos a pensar como se juntam pessoas. E, como não poderia ser diferente, tudo inserido em um projeto gráfico que casa com o tema nas fontes das letras, molduras nas páginas e textura do papel.

Os adultos apaixonam-se ao acaso, ainda que façam um esforço para escolher muito ou com muita inteligência. Já aprendi. O amor é um sentimento que não obedece sem se garante. Precisa de sorte e, depois, empenho.

Ao mesmo tempo em que reconhecemos uma garota no jeito de expressar as dúvidas, a riqueza dos termos e da dança das palavras se dá na sofisticação esperada para quem já é leitor de Mãe, ou surpreende para quem é iniciante: é o primeiro infantojuvenil dele lançado aqui, feito da editora Cosac Naify (só depois foi lançado em Portugal), que tem outros do autor em seu catálogo. No meio do livro, a inspiração fica clara:

Descubro cada vez mais que o paraíso são os outros. Vi num livro para adultos.

O autor mesmo conta que este livro surge depois de escrever o romance A Desumanização (também aqui pela Cosac), em que reflete sobre a popular expressão do filósofo Jean-Paul Sartre, “o inferno são os outros”. No romance, uma menina vive as dores e as angústias da morte de sua irmã gêmea. O pai, na forma filosófica de conversar que o caracteriza, diz a ela: “o inferno não são os outros. Eles são o paraíso, porque um homem sozinho é apenas um animal. A humanidade começa nos que o rodeiam, e não exatamente em ti. Ser-se pessoa implica a tua mãe, as nossas pessoas, um desconhecido ou a sua expectativa.” (…)

O Paraíso São Os Outros é matéria de poesia para gente pensar todas as relações e que existimos com os outros. Que o amor existe e tudo bem que ele seja buscado, sim. Coisa linda de se falar com criança, jovem, adulto, idoso…

Ps – Dedico o post a Bia Reis, amiga e jornalista, criadora do blog Estante de Letrinhas, e que gentilmente me sugeriu e emprestou este livro. Porque ler com o outro também é presente da vida.

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O Paraíso São Os Outros (ed. Cosac Naify)
Texto de Valter Hugo Mãe com obras de Nino Cais
2014

Presos, de Oliver Jeffers

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A primeira impressão do título é estranha. “Presos”, você pensa, “agoniante”, você sente. Mas, como sabem os leitores deste blog, adoro praticamente tudo que o escritor e ilustrador australiano-irlandês-morador-de-Nova-York Oliver Jeffers faz (fiz um post sobre o trabalho dele, leiam aqui!). E, assim, encarei Presos (Ed. Salamandra) esperando algo que poderia ir para o melancólico ou o bem-humorado, duas características do autor, que sempre alinhava suas histórias com surpresas e ótimos enredos.

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Bem, o fato é que a história de Presos começa quando a pipa de Felipe fica amarrada em uma árvore. Ele tenta sacudir para derrubá-la mas, sem sucesso, arremessa um de seus sapatos para ajudar. Quando a ação não dá certo, ele decide arremessar o outro pé de sapato. Com os três objetos presos nos emaranhados da árvore, ele vai buscar Mitch, o gato que… claro, gruda também. Uma escada! Mas Felipe não usa a escada da forma que o leitor imaginaria e… e por aí vão mais uns quase 20 objetos e não-objetos (você não faz ideia do que ele joga na árvore) sem que Felipe tenha de volta a sua pipa. Quase chegando no final, no entanto, ele tem uma grande ideia e nos dá de presente um desfecho tão divertido quanto à própria narrativa.

O projeto gráfico dos livros de Oliver são sempre bem elaborados, tanto na escrita quando nos desenhos. Embora sejam fáceis de reconhecer a autoria (há quem possa achar repetitivo. Será?), são rabiscos cuidadosamente apresentados em texto (grande parte dos livros e outros trabalhos dele acompanham uma tipografia específica) e imagem (com lápis preto misturado a cores de tinta no traço e texturas diferentes encobrindo toda a página, que também conduzem uma leitura da história sugerindo, por exemplo, sentimentos, tempo de narrativa ou tom de humor). Mas é mais como se uma coisa estivesse realmente a serviço da outra. Nem o enredo se faz sozinho, nem só o texto e nem só as ilustrações: é preciso que o leitor se envolva com os três de uma vez para aproveitar os detalhes e enriquecer a história a seu modo.

Oliver mais uma vez brinca com as possibilidades da criatividade, deleitando o leitor em puro nonsense, ao mesmo tempo em que coloca o conceito de politicamente correto no patamar mais incrível de todos: o da imaginação sem limite, próprio da criança e de quem mais tiver coragem.

Assistia aqui ao autor lendo Presos (em inglês):

 

 

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Presos (Ed. Salamandra)

textos e ilustrações de Oliver Jeffers

2014

O Velho Louco Por Desenhos

hokusai

Conheci este livro em 2005 ou 2006 e foi paixão à primeira vista. Uma amiga, Paula Perim, me indicou, me emprestou. Li à vontade, como acontece entre amigos e não comprei um naquele momento. Mas rapidamente me apropriei dele. Tanto que acredito que comprei uns cinco exemplares para dar de presente antes mesmo de ter o meu. É assim que O Velho Louco Por Desenhos entra em nossas vidas e é por isso que ele, para mim, é um clássico.

 

Escrito pelo francês François Place (aqui com tradução de André Viana e lançado pela Companhia das Letrinhas), conta a história do menino Tojiro, um garoto de nove anos, origem humilde e que todas as manhãs sai de casa bem cedo com uma cesta de bolinhos de arroz para vender, na cidade de Edo, antiga capital do Japão. É conhecido por todo o bairro e vende para todo o tipo de gente – até aos samurais muitas vezes. O pequeno perdeu os pais e vive com um tio e uma tia e ele não tem trégua na venda! O trabalho é duro, mas o menino adora a oportunidade de conhecer cada canto de onde mora.

Um dos clientes é bastante estranho. Um velho rabugento muito pobre mas que toda vez que ele vê Tojiro deixa escapar um sorriso. Chama-o de “pardalzinho”. Tojiro só sabe que ele é um grande artista e que não para de desenhar. Um dia o senhor o convida a entrar em seu ateliê… e o menino nunca mais quer sair de lá.

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Os dois vão se aproximando cada vez mais, principalmente quando o velho pintor faz uma proposta: ensina o garoto a ler e a escrever e o menino o ajuda com os materiais e entrega dos desenhos.

 

O velho pintor se chama Hokusai.

 

E é aí que o leitor tem o convite oficial para entrar na romanceada biografia de um dos principais artistas da história do mundo: pintor, desenhista, ilustrador, gravurista, Hokusai viveu de 1760 a 1849, autor da obra “A Grande Onda”.

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Fatos reais se misturam à ficção narrada aqui de maneira leve, ora sob o olhar do narrador, ora sob o ponto de vista ingênuo do menino. As ilustrações misturam trabalho do próprio François junto aos desenhos de Hokusai. Mas, contando a vida de um mestre japonês, o autor amarra arte, história e cultura, seja exibindo os costumes da época, seja revelando significados de termos (com direito a um glossário no final), seja detalhando os caminhos de uma gravura até um livro. Por mais que seja um livro de quase 100 páginas, ele voa em nossas mãos e nos deixa o desejo de checar os detalhes e conhecer mais sobre o artista. Afinal, quem não se encanta em saber tudo sobre o inventor do mangá?

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Há trechos de diálogos memoráveis:

 

“A primeira coisa que espero de você, pardalzinho, é que jamais arrume meu ateliê. A segunda, que seja sempre curioso, que escancare bem os olhos e os ouvidos. A terceira, que jamais atrapalhe quando eu estiver trabalhando.”

 

(…)

 

“Psiu… Olhe lá”, diz ele, apontando com o delo. “Olhe a borboleta no pé da peônia…”

Os dois ficam estáticos, e pelos olhos do velho perpassa o mesmo deslumbramento dos olhos do menino. Quando, juntos, retomam o caminho, o mestre aperta a mão do menino e lhe sussurra:

“Aprenda a olhar em silêncio se você não quiser que o barulho espante, diante de seus olhos, a beleza das coisas frágeis”.

 

É esta mistura de real e fantasia, rabugices e afetos, desenho e palavra que faz deste livro imperdível.

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O Velho Louco Por Desenho (Ed. Companhia das Letrinhas)

textos e ilustrações de François Place (com Hokusai)

2004

Poemas de Jardim

poemas-de-jardimdentroInsetos são, assim, digamos, não sei o termo ideal… uma fobia para mim! Coisa de infância, daquelas inexplicáveis. Mas a arte… ah, a arte, distorce tudo que está já definido em nós, não?

Sempre amei aqueles filmes BBBBBBBB com aranhas gigantes, formigas monstruosas e ataques de abelhas. Depois, beeem depois, me apaixonei por Vida de Inseto, um dos incríveis filmes da Pixar. Bem, um livro aqui e uma história ali depois, agora tenho a chance de reencontrá-los em poemas. Mais precisamente em Poemas do Jardim (Ed. Cortez), o “primeiro catálogo de brincadeiras zoobotânicas poético-ilustradas”, de Penélope Martins e Tati Móes.

Como um típico catálogo é divido em partes. Tantos os poemas quanto os desenhos vêm para nós em tom leve, quase despojado. Parece que estamos vendo a dupla rabiscar aqui e ali. Assim a gente vai virando as páginas e tomando palavras e significados meio sem perceber, com direito a nome científico casando com criatividade.

A primeira parte é trata “deles”: dos pequenos habitantes. Aparece, então:

 

V. Abelha

Apis mellifera

Dançando no meio da flor,

sugando gostoso sabor,

é doceira no jardim.

zum, zum, zum, abelha assim.

 

A segunda nos fala “das cores em canteiros”, com dálias e minirrosas; a terceira parte “das sombras e ninhos”, lugar para o ipê.

 

Na quarta parte do livro estão as minhas paixões preferidas, as aves. Para o sabiá-laranjeira, meu grande amor, os autores dedicaram estas palavras:

 

Psiu!

Quem sorriu?

Psiu! Psiu!

Quem respondeu?

Vai saber o que de lá

sabiá cantou;

canta, sabiá.

 

Mas, como um bom livro, só é bom mesmo lendo. Divirtam-se!

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Poemas do Jardim (Editora Cortez)

textos de Penélope Martins e Tati Móes

ilustrações Tati Móes

2014