Página 12

87 MÚSICAS PARA FALAR DE ROCK COM AS CRIANÇAS

rock_poster

Esta aqui é diretamente do meu Esconderijo do Tempo, período anos 70 e 80, para quem aí se identificar! Em casa o rock era, literalmente, desde o berço. Contam para mim que um dia, esquecendo que havia um bebê na família, meu irmão Mario colocou alto – claro! – Speed King, do Deep Purple e adivinhem quem deu um pulo-susto e começou a chorar?

Aproveitando o Dia Mundial do Rock, abaixo segue uma lista que mistura as grandes músicas de rock que ouvi na infância e começo de adolescência, super influenciada pelos meus irmãos Mario e Jonas, mais um tanto de jornalismo e os aprendizados com amigos como o jornalista e músico Nando Ramos que, na festa de 1 ano da minha filha Clarice na qual o tema foi rock, ele me cedeu uma linha do tempo maravilhosa!

Ah, e gosto pessoal (ou aqueles sentimentos-memória musicais que não temos explicação), CLARO!

13 de julho se tornou o Dia Mundial do Rock por causa do show Live Aid, que ocorreu em 1985. Foi o maior festival de rock da história, organizado pelo cantor Bob Geldof, vocalista da Boomtown Rats. No palco, megastars como Paul McCartney, The Who, Elton John, Boomtown Rats, Adam Ant, Ultravox, Elvis Costello, Black Sabbath, Run DMC, Sting, Brian Adams, U2, Dire Straits, David Bowie, The Pretenders, The Who, Santana, Madonna, Eric Clapton, Led Zeppelin, Duran Duran, Bob Dylan, Lionel Ritchie, Rolling Stones, Queen, The Cars, The Four Tops, Beach Boys, entre outros, alcançando uma audiência pela TV de cerca de 2 bilhões de telespectadores em todo o planeta, em cerca de 140 países. Mas a causa ainda eleva a importância do megashow: era uma tentativa de angariar fundos para que a miséria e a fome na África pudesse ser minimizada. Foram dois shows: um no Wembley Stadium de Londres (Inglaterra) e outro no JFK Stadium na Filadélfia (EUA).

 

Junto da lista, uma mostra para sentar e ouvir JÁ com a criança por perto. Se a Clarice me perguntasse “mãe, o que preciso ouvir para conhecer o rock?”, eu diria “podemos começar por aqui”… !!

 

OI?

Sim, o politicamente correto das letras ficou fora da lista!

 

 

Elvis Presley

That’s Alright(Mama)

 

Bill Haley and His Comets

Rock Around The Clock

 

Jerry Lee Lewis

Great Balls of Fire

Beatles

Twist and Shout

Drive My Car

Get Back

Sargent Peppers Lonely Hearts Club Band

Come Toghether

 

Rolling Stones

Satisfaction

Jumpin Jack Flash

Brown Sugar

 

The Who

My Generation

Baba o Riley

 

Beach Boys

Surfin USA

Wouldnt it Be Nice

Good Vibrations

 

The Clash

London Calling

Shoul I Stay or Should IGo

 

Jimi Hendrix

Purple Haze

Crosstown Traffic

 

Bob Dylan

Hurricane

 

Led Zeppelin

Whole Lotta Love

Black Dog

Kashmir

 

Black Sabbath

Iron Man

Paranoyd

 

Paul McCartney

Live and Let Die

Let Me Toll It

 

Deep Purple

Smokin on the Water

Highway Star

 

David Bowie

Space Oddity

Ziggy Stardust

Heroes

 

Yes

Owner of Lonely Heart

Leave It

 

Genesis
I Know What I Like

That’s All

Mama

 

Rush

Tom Sawyer

Close To The Heart

Time Stand Still

 

Pink Floyd

Another Brick in The Wall

Time

 

Eric Clapton

Sunshine of Your Love

Layla

 

Alice Cooper

Schools out

 

Queen

Crazy Little Thing Called Love

We Will Rock You

Need Your Love Tonight

 

The Police

Message In a Bottle

Next to You

So Lonely

 

Michael Jackson

Beat It

 

U2

I Will Follow

Sunday Bloody Sunday

Pride (In The Name of Love)

 

Van Halen

Jump

You Really Got Me

Aint Talkin About Love

 

E NO BRASIL?

 

SIM!

 

CellyCampelo

Estúpido Cupido

Banho de Lua

 

Erasmo e Roberto Carlos

É Proibido Fumar

Eu Te Darei o Céu

Festa de Arromba

 

Mutantes

Panis Et Circenses (Caetano Veloso e Gilberto Gil)

Minha Menina

Balada do Louco

 

Rita

Esse Tal de Roque Enrow

Agora Só Falta Você

 

Secos e Molhados
Vira

Sangue Latino

 

BarãoVermelho

Bete Balanço

Maior Abandonado

Pro Dia Nascer Feliz

 

Titãs

Sonífera Ilha

AA UU

Polícia

Bichos Escrotos

Legião Urbana

Geração Coca-Cola

Será

Plebe Rude

Até Quando Esperar

 Ultraje a Rigor

Inútil

Eu me Amo

Capital Inicial

Música Urbana

 

 

 

 

Gilles Eduar entre números e muitas histórias

Adoro livros em que o mote principal é ensinar números – geralmente do 1 ao 10. Há dezenas nas livrarias e, por aparentemente apresentarem a mesma coisa, fico fascinada quando a criatividade é levada a sério e resulta em um produto surpreendente.

GILLES-TRALALACAPA

Foi assim com Tralala Train Train. Não conhece? Pois é, infelizmente aqui no Brasil pouca gente sabe deste livro. Isto porque o ilustrador Gilles Eduar lançou-o na França, em 2007. E somente lá, pelo menos por enquanto!

Conheci o livro em um curso com os mestres Fernando Vilela e Odilon Moraes, no Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo. Foi paixão à primeira vista. Fiquei dois anos tentando comprá-lo, até que um ficou disponível na Amazon e chegou aqui em casa há alguns meses! Ele nos dá números de 1 a 10, animais diversos e divertidos, uma festa a imaginar e um formato adorável: ele é sanfonado. Mas, calma, não é só isso: é um livro que vai e volta: de um lado o trem vai; do outro, volta. Mas também não é só isso.

Fiz um vídeo para me ajudar a explicar. Gilles abre a história nos mostrando o trem chegando a um casamento. Como maquinista, uma toupeira. Os dois noivos são hipopótamos. O bolo está aos cuidados de cinco porcos. E por aí vai, até chegar ao dez. Quando a última página chega, começamos a leitura novamente, só que de um outro jeito: os animais contados não estão mais juntos – seria uma ressaca?? – e o desafio ao leitor é descobrir se todos estão voltando para casa!

 

Com vocês, um pouco do francês Tralala Train Train:

 

Gilles Eduar em evento de 30 melhores livros infantis revista CrescerMas por que ele está somente na França? Para quem não conhece a história de Gilles, vou contar um pouquinho aqui e, na entrevista a seguir, ele conta melhor. Gilles nasceu em São Paulo, mas seus pais são franceses e então ele viveu na França por muitos anos. Foi justamente lá, vocês verão como abaixo, que ele começou a escrever e ilustrar livros infantis. Ele tem 15 livros publicados lá e traduzidos para outros idiomas. Aqui no Brasil são mais 15 como autor e outros como tantos ilustrador! Bem, antes deste caminho, no entanto, houve uma clarineta, um sax… e um grupo que é minha referência de música e performance nos anos 80 (santa coincidência!): o Luni, que tinha também no grupo outros artistas incríveis como Marisa Orth e Théo Werneck. Ilustrador, escritor e músico, vejam só!

 

 

 

O Tralala Train Train foi a minha desculpa para esta entrevista porém, até ela acontecer, chegou também por aqui o livro E Agora, Papagaio?, lançado pela Jujuba.

 

GILLES-EAGORA-CAPA

E, para a minha alegria, também é um livro 1 a 10, com animais (grande paixão de Gilles) e cores vivas como poucos. Tudo começa com um menino e uma bicicleta. O garoto pergunta: “o que você está vendo, papagaio?”. E o bicho responde: “Vejo 1 chapéu caindo do céu”. E o chapéu vai para a cabeça do menino. “E agora, papagaio?”, ele continua. “Vejo 2 macaquinhos a mil, lavando roupa no rio”. E, vuuupt: empuleiram-se os dois macacos na bicicleta. E assim o menino vai repetindo a pergunta e as respostas interferindo nesta incrível viagem-nonsense! Corram para conferir!

Agora, com vocês, um pouquinho do simpático Gilles Eduar:

ESCONDERIJOS DO TEMPO: Qual é a história por trás de Tralala?

GILLES EDUAR: Quando morava na França (na década de 90) sempre quis fazer um livro com números, mas foi só em 2005, de volta ao Brasil é que tive a ideia de apresentar este projeto, um trem com 10 vagões, um livro que só podia ser sanfonado, óbvio!

ESCONDERIJOS: Um óbvio bom, daqueles que a gente pensa: “mas é claro que teria que existir um livro de trem, sanfonado e com números!”…

GILLES: Sim! Optei por contar uma história e acho que isso é o bacana. Dois hipopótamos num trem vão se casar. Todos os convidados seguem neste mesmo trem. Esta é a história. O mesmo aconteceu com o livro com Espetáculo de Números, que lancei pela Ática, uma  história de pulgas e cães que nos ensinam sobre matemática, leitura de mapas, tabelas, gráficos…

ESCONDERIJOS: Então primeiro veio a ideia de fazer um livro sanfonado, depois de trem…

GILLES: E junto veio a ideia dos números. E, como eu queria contar uma história, pensei no casamento. E para ser ainda mais divertido, pensei que na parte de trás das páginas, mostraria a volta, com todos fora do lugar. O desafio para o leitor seria contar, ver se todo mundo voltou mesmo da festa. Pensei em pais e filhos, juntos, contando, procurando os bichos, conferindo se todos voltaram…

ESCONDERIJOS: E você teve a ideia do livro todo?

GILLES: Sim, mas as editoras francesas têm muita experiência com projeto gráfico, é uma delícia. E foi da editora a ideia do fecho, tudo bem pensado.

ESCONDERIJOS: Quanto tempo levou para fazer?

GILLES: Normalmente da ideia anotada no papel até o livro ser publicado pode levar anos. Mas para desenhar, e pintar o livro no papel, posso levar um mês e meio. Foi mais ou menos assim com este. Foi o primeiro livro com números que consegui publicar, mas meu primeiro projeto deste tema foi o que lancei este ano com a Jujuba.

ESCONDERIJOS: Então o E agora, Papapagaio? é anterior ao Tralala?

GILLES: Sim, a ideia é. Pensei nele uns 10 anos antes. No Brasil é muito difícil lançar livros para crianças muito pequenas que ainda não sabem ler. Mas quando apresentei este projeto para a Daniela (Padilha, editora da Jujuba) e ela gostou bastante. Ele estava praticamente pronto. É bom  conviver com livros desde cedo. Antes de 1 ano de idade eu já lia livros para o meu filho , e considero que esse empenho dos pais é fundamental na formação das crianças.

ESCONDERIJOS: E também as escolas apresentam livros mais cedo…

GILLES: Sim, mas acho que não pode ficar somentea cargo das escolas. O hábito da leitura tem que começar em casa, os pais lendo para seus filhos…

ESCONDERIJOS: Gilles, você nasceu em São Paulo, se formou em arquitetura… quando você foi para a França?

GILLES: Na verdade, fui com um amigo para a Espanha. Eu era do Luni (grupo musical dos anos 1980, contemporâneo de Os Mulheres Negras e Nouvelle Cuisine). Em 1990 vendi um velho sax soprano e fui! (risos). Imagine, vendi, e fui para lá com um amigo. Ele fazia mímica na rua, daquelas de seguir as pessoas e eu fazia a sonoplastia no saxofone! Ficamos lá uns quatro meses e de lá fui para a França onde eu tinha família. Lá consegui um emprego  no museu do Louvre onde vendia gravuras. Isso foi em janeiro de 91 quando começou a Guerra do Golfo, Naquele momento os franceses tinham muito medo que explodisse alguma bomba na cidade, que fossem atacados, e o museu ficava vazio. Assim, eu tinha muito tempo livre e, atrás do balcão, desenhava o dia todo ! Até que eu quis sair para tentar outras coisas durante o dia e me sugeriram que eu continuasse trabalhando à noite. Foi aí que comecei a trabalhar na livraria infantil do museu. Lá descobri o universo dos livros infantis e tudo mudou para mim. Fiquei lá um ano e foi um momento decisivo na minha vida. Vi que eu poderia fazer aquilo!

 

Quer lembrar (ou conhecer) o Luni? Dá uma olhada no que eu achei. Primeiro, uma reunião de cenas de apresentações de uma tour em 2002, quando o grupo se reuniu:

Uma apresentação deles no sensacional Boca Livre, programa de bandas ao vivo na TV Cultura. Gilles está de camisa branca:

ou eles na trilha sonora da novela Que Rei Sou Eu?

 

 

GILLES-DJO-CAPAESCONDERIJOS: E a partir daí começou a tentar publicar por lá?GILLES: Sim, apresentei um projeto para a editora Albin Michel e eles aceitaram, fiquei exultante! Aqui no brasil este livro, Djô, saiu pela Martins Fontes em 2003, dez anos depois….

 

 

 

 

 

 

GILLES-ASASCROCODILOCAPAESCONDERIJOS: Você tem quantos livros na França e algum já foi editado aqui?

GILLES: Tenho 15. Sim, dois pela Martins Fontes. O Djô, meu primeiro livro publicado na França, foi refeito aqui, com outros desenhos. O segundo livro, As Asas do Crocodilo, saiu aqui, tal qual a edição original, em 1999.

 

ESCONDERIJOS: E o Tralala, você já pode oferecer aqui?

GILLES: Sim! Já tem editora interessada. Talvez não seja do mesmo jeito, precise de adaptação, mas acredito que vá dar certo, sim.

 

ESCONDERIJOS: E quantos livros você tem aqui?

GILLES: 15 como autor-ilustrador, e uns 10 como ilustrador

ESCONDERIJOS: Às vezes você trabalha apenas como ilustrador…

GILLES: Sim, e não é tão fácil… Mas acho que estou melhorando nisso, pois, com o tempo, fui percebendo cada vez mais que uma boa ilustração é aquela que amplia a história. E você também tem que se permitir isso com textos de outras pessoas: não  colar demais no texto, senão você acaba reduzindo  o potencial dele.

ESCONDERIJOS: Como é trabalhar nestes três aspectos como artista?

GILLES: Na verdade, hoje só trabalho como autor-ilustrador. A música fica em família. Tenho o prazer de compartilhá-la com meu filho que toca piano. Mas, por coincidência, acabo de ser convidado para alguns ensaios… e quem sabe em breve um show …

ESCONDERIJOS: E como você age com o projeto gráfico?

GILLES: Hoje, a tecnologia fez a gente avançar muito em termos de qualidade de imagem, e isso aumentou o nosso trabalho, você sabe até onde uma imagem pode ser trabalhada no computador para ficar melhor, tanto o desenho quanto o projeto do livro como um todo. As vezes há embates com a editora para saber até onde estamos todos dispostos a trabalhar com relação a qualidade do projeto gráfico.

ESCONDERIJOS: Só que hoje, para ter como você quer, é um vai e volta sem fim…

GILLES: Isso, dá trabalho…Um livro tem que ser bom para podermos olhar para ele sem arrependimentos, sempre… não é fácil (risos).

 

ESCONDERIJOS: E você ainda está só no guache, certo?

GILLES: Sim, faço quase tudo no guache. Mas faço retoques no Photoshop.

 

ESCONDERIJOS: E é assumida sua predileção por desenhar animais?

GILLES: Muito! É mais lúdico do que desenhar humanos.

 

ESCONDERIJOS: E seus animais meio que se repetem…

GILLES: Sim, às vezes, principalmente os macacos!

 

ESCONDERIJOS: Para terminar, Gilles, quero saber o que você guarda no seu Esconderijo do Tempo?

GILLES: Olha, desenhar é algo que sempre, sempre fiz. Mas houve um acontecimento fundamental para mim. Foi uma exposição de pintores expressionistas alemães que vi no Museu de Arte Moderna de Paris, em 1994. As cores me impressionaram muito. O uso das cores. Aprendi que cor é algo que você tem que usar e abusar, mas o abusar não é aleatório. E isso foi um marco. Hoje sei que sou um bom colorista. E é muito importante manter contato com o que se faz, se atualizar. É sua chance de se renovar.

ESCONDERIJOS: E a gente fica com a ideia de que vocês, artistas criativos não param nunca de se renovar….

GILLES: Você vai para uma feira como a de Bologna e dá até desânimo de ver tantos livros publicados. Passado esse “back” você descobre muitos livros bacanas, que te alimentam, que renovam sua vontade de fazer melhor, instigando sua criatividade. A gente sempre tem que olhar esta e outras artes. E a cada novo projeto, saber que quer entregar algo realmente especial.

 

 

Muppets 2 – Procurados e Amados

muppets2-gervais
Há alguns anos, um estudo com crianças no Canadá avaliou que elas conseguem entender ironia a partir dos 4 anos de idade. Ou seja, é possível que, já tão cedo a criança possa perceber algum tipo de sarcasmo ou uma piada escondida nas entrelinhas. As criações do norte-americano Jim HensonMuppets, Vila Sésamo e as obras que ainda são produzidas pela Sesame Workshop, mesmo após a morte dele, em 1990 – usam e abusam desta figura de linguagem. A mais nova grande produção da turma, em parceria com a Disney e que acaba de chegar aos cinemas brasileiros, mostra que a ideia é manter esta características, para a sorte dos novos espectadores e deleite dos antigos fãs. Muppets 2 – Procurados e Amados prova que a gente sempre, sempre pode exigir um pouco mais do poder de perspicácia do espectador.

 

Adoro os Muppets desde criança. Assistia ao Muppet Show feliz da vida, sabia os nomes dos personagens, morria de rir, curtia os musicais. A paixão nunca terminou e assim fui acompanhando os discípulos brasileiros em programas como Bambalalão e Cocoricó. Sabemos que “manipulação de bonecos” depende do artista e de um roteiro interessante. Que isso acontece também em grupos de teatro ou propagandas de televisão. Nada demais. Mas não estou falando do “meio” e sim da maneira de manipular bonecos e da construção de personagens e histórias. Este foi o legado deixado pelo norte-americano Henson, que fez seus primeiros bonecos para um programa de TV em 1955, com Sam and Friends (veja vídeos abaixo!), onde já aparecia Kermit, The Frog, ou, aqui no Brasil, Caco O Sapo, e que foi ao ar até 1961. Em 1969, ele criou a Sesame Street (aqui duas vezes adaptado como Vila Sésamo e um dos maiores sucessos de TV para criança no mundo) e ainda é produzido nos Estados Unidos e outros vários países. O Muppet Show foi estreado em 1976 e saiu do ar em 1981 e os direitos dos personagens estão com a Disney desde 2004.

 

Apostando na capacidade de interpretação da criança, a ordem é tirar um sarro do que for possível. Até mesmo quando a intenção é claramente educativa, sempre vai ter algo a surpreender o espectador, uma pitadinha de sátira. Esta fina ironia está em cada desenho dos enredos, uma simplicidade adorável dos personagens que provocam fácil identificação com a criança (tanto a da faixa etária do público-alvo, quanto aquela que mora dentro da gente, rs!). E é este o mote do mais novo filme dos Muppets. Se no primeiro, em 2011, o tema principal era um fã tentando levantar a autoestima dos artistas comandandos por Kermit, neste eles estão tão, mas tão confiantes que são facilmente enganados por uma dupla de bandidos. Os primeiros minutos do longa já dizem tudo: é uma emenda com as últimas cenas do primeiro filme, que termina epicamente em um típico musical de Hollywood. Só que, uma vez acabada a história, os atores-bonecos se vêem na missão de criar sozinhos um motivo para uma sequência.

 

Vale lembrar que, neste mundo de Vila Sésamo e cia, humanos convivem com bonecos na maior naturalidade. Em busca de decolar mais uma vez a carreira e apresentar seus “talentos” em suas comédias musicais, os Muppets se associam, então  a Dominic Badguy (brincando com o significado “cara malvado”), interpretado por Rick Gervais, que fecha com eles um contrato de empresário e promete uma turnê por grandes teatros da Europa. Só que, o que os ingênuos bonecos não sabem é que o Dominic está concomunado com Constantine, o sapo mais perigoso do mundo. Fisicamente, este sapo é idêntico a Kermit, diferenciando-se apenas por uma verruga preta no rosto. Ele é tão perigoso que está detido em uma prisão de segurança máxima na Sibéria. Lá, ele arma uma fuga e, com a ajuda do comparsa, troca de identidade com Kermit, que vai preso no lugar do bandido.
muppets-2-tina-fey

Confusão iniciada, os colegas não percebem o impostor entre eles, por mais que ele tenham um sotaque russo e pouquíssimo traquejo no trato com os “artistas”. Somente Walter (que no primeiro filme conhecemos como o fã número 1 dos Muppets) desconfia e assim parte para uma investigação. Até isso acontecer, vimos de tudo: plateias lotadas mas entediadas assistindo a números musicais bizarros, enquanto a dupla de bandidos rouba peças valiosas de museus em Madrid, Paris, Dublin e outras cidades com o objetivo de chegar às joias da coroa britânica. Isso sempre costurado a participações especiais, uma marca do Muppet Show, de Lady Gaga a Celine Dión, passando por Ray Liotta e Tina Fey, que interpreta a diretora da prisão siberiana. Como Jim Henson criou uma espécie de pacto pela “não vergonha”, todas estas participações de atores e atrizes se dão com bastante liberdade, passando a ideia de que ninguém ali está preocupado em se passar por ridículo e, sim, fatalmente todos estão. E as canções ajudam com sua assumida e exagerada cafonice.

Há quem diga que é “fórmula ultrapassada”. Mas como me divirto com isso há 40 anos, ainda dou bastante risada e achei esta sequência mais criativa do que o primeiro filme. E de certa forma mais complexa, pois há muitas mudanças de cenário e ainda a trama policial costurando tudo, exigindo mais atenção dos mais novos. Acredito que os bonecos de Henson existem para isso: para nos ensinar letras, números, noções de perto e longe, cores, desenhar e o que é um animal de estimação (Garibaldo/Big Bird, Elmo, Ênio, Beto); para nos mostrar a diversidade de formas de viver no mundo (Grover); para nos entreter (Caco/Kermit, Miss Piggy, Fozzie, Animal) mas, acima de tudo, para nos mostrar o quanto é importante não nos levarmos tão a sério.

 

Para quem quiser conferir os vídeos, fiz uma seleção aqui para nos divertirmos!

 

Primeiro, dois de Sam and Friends, o começo de tudo:

e


Quem quer lembrar um pouco do Muppet Show?

Aqui vai a entrada:


Uma característica maravilhosa era a diversidade das participações especiais, como Alice Cooper, genial:

 

ou Elton John:

 

Aqui uma reportagem que mostra como o show de talentos dos Muppets era uma confusão sem fim, principalmente quando a porca Piggy morria de ciúmes das convidadas mulheres. E claramente vemos a não preocupação com o politicamente correto. Afinal, a atração era para a família toda!

 

Há também esta entrevista de Caco e Animal

 

E do Vila Sésamo brasileiro dos anos 70 e a dupla de amigos Ênio e Beto:

 

E do Elmo, hoje o mais conhecido personagem da Sesame Street no mundo (e pelo qual minha filha Clarice, de 2 anos, está completamente apaixonada…)


Aqui o trailer do primeiro, de 2011

 

e do que está em cartaz agora:

Não percam!


Muppets 2 – Procurados e Amados (Disney)
direção de James Bobin
2014

Esquisitices e felicidades de Beatrice Alemagna

cincoesquisitosepequenacoisapUm era furado.

Outro, dobrado.

O terceiro era molenga.

O quarto, de ponta-cabeça.

E o quinto só tinha estranhezas.

 

Estes são os cinco adoráveis personagens do livro Os Cinco Esquisitos, da italiana Beatrice Alemagna, um dos mais geniais que já li na vida. Ela apresenta as cincos figuras cheias de humor no texto e nas ilustrações, com suas tradicionais e riquíssimas colagens-desenho.

cincoesquisitosdentro2p

O leitor se afeiçoa a eles logo de cara, por piedade. Mas, quando entra na história um intruso bem do antipático, deixamos a piedade de lado para dar lugar à solidariedade e, por que não?, a identificação.

O sexto personagem é extraordinário.

Lindo. Tem uma cabelereira vermelha, um jeito confiante. Perfeito.

Perfeito? É o que você se pergunta na leitura e é aí, na sutileza da poesia e da criatividade, que se capta a alma da narrativa: o que é certo e errado mesmo? Mas nestas páginas não têm “dedo no nariz” nem lição de moral. Tem reflexão, tem um rir de si mesmo. Coisa boa de pensar!

Para ver mais, confiram esse teaser:

5 Malfatti Teaser from Beatrice Alemagna on Vimeo.

 

 

Mas a Editora WMFMartins Fontes lança este e mais um: Pequena Coisa Gigantesca. Embora este seja daqueles que você quer presentear e transborda de emoção, o meu preferido ainda é Os Cinco Esquisitos, pela originalidade. Como em O Que É Uma Criança? (de 2010), este livro também tem um ritmo daqueles que você curte, se emociona, mas já sabe onde ele vai chegar desde a primeira dupla.

pequenacoisadentrop

Nas páginas, uma sequência de frases poéticas e ilustrações fortes que definem a “tão sonhada felicidade” que uma menina tenta apanhar, que uma mulher não sabe reconhecer, que pode estar na chuva, na brincadeira de férias ou em um cheiro especial.

Beatrice Alemagna é natural de Bologna, a cidade que abriga a mais importante feira de livro infantil do mundo. Neste delicioso tumblr. Dá para ver bastante de sua obra e ir para o site oficial dela. Nele, além de conferir a série de prêmios que ela já venceu (entre eles o Prêmio Andersen de Melhor Ilustradora) e de exposições que ela participou, ela conta que aos 8 anos decidiu que seria ilustradora e escritora de livros.

 

Os Cinco Esquisitos (Ed. WMF Martins Fontes)

textos e ilustrações de Beatrice Alemagna

tradução de Carlo Alberto Dastoli

2014

 

Pequena Coisa Gigantesca (Ed. WMF Martins Fontes)

textos e ilustrações de Beatrice Alemagna

tradução de Monica Stahel

2014

 

Meus dois livros da COPA!

 

GENIOCRIMEOPRESENTEPEm tempos que só se fala em Copa do Mundo e futebol (para o bem e para o mal, diga-se), dois livros infantojuvenis não me saem da cabeça: primeiro, o clássico O Gênio do Crime, de João Carlos Marinho, e belíssimo O Presente, de Odilon Moraes. Ambos me remetem a uma disputa como tradição, fantasia, aquele “pode-tudo” delicioso em que a literatura nos deixa navegar à vontade. E, em tempos de polêmicas, decepções e muita expectativa, acho que ambos caem bem como um carinho em nossas almas banhadas pela tradição de nosso “país do futebol.

 

Bem, vou começar por O Gênio do Crime – Uma Aventura da Turma do Gordo, um clássico que completa 45 anos em 2014! Relançado pela Global em 2005, com ilustrações de Mauricio Negro, ele conta a saga de uma turma de meninos que se vê envolvida em uma trama policial ao descobrirem a existência de uma fábrica clandestina de figurinhas de futebol. É para rir do começo ao fim. Reli adulta e talvez eu tenha me divertido ainda mais. O enredo começa com uma superpromoção de uma fábrica de figurinhas. Quem preenche o álbum, ganha prêmios. Mas a confusão começa com a produção das figurinhas falsas e uma revolta da garotada contra a fábrica das originais. Quatro crianças, no entanto, começam a investigar a história e, encabeçadas pelo sagaz Gordo, bolam um plano incrível para resolver o caso.

Adoro como a narrativa nos permite mergulhar tão profundamente na forma de pensar dos garotos e como a história alterna realidade e fantasia sem que a gente perceba, proporcionando aqueles deliciosos momentos de “ah, vai, isso não seria possível” que funcionam como condutor da aventura e não como desmancha-prazeres. Você lê e quer mais. Tanto que esta é só a primeira de uma série de grandes aventuras que marcam a literatura infantojuvenil brasileira.

Vejam aqui o autor falando do livro em uma entrevista à TV Cultura:

 

 

OPRESENTEDENTRO

O Presente é totalmente diferente (quantas rimas!). Mas é a pura verdade. Trata-se de um livro de imagem, foi lançado em 2010 e o foco não são as figurinhas, mas, sim, a camiseta amarela, a amada camiseta amarela da Seleção Brasileira. A história de Odilon Moraes, um dos nossos principais ilustradores, é de identificação fácil: começa com um garoto ganhando de presente uma camiseta da seleção. Devidamente uniformizado, ele parte para a torcida na rua e depois em casa, para assistir a uma partida de copa do mundo. As lindas cenas uma a uma nos levam à emoção que o esporte provoca, a vibração coletiva, a apreensão dos lances e a cumplicidade da derrota. A cada momento, vemos personagens e cenários em um risco azul e somente os amarelos das camisetas e a bandeira brasileira em destaque.

Mas a derrota não é o final da história (nunca é, certo?). O menino entristece, fica sem apetite e sem ânimo. Mas um amigo o convence a sair de casa e encarar uma pelada. E alguém aí duvida do que um belo gol pode fazer?

 

 

 

 

 

 

Duas narrativas diversas, mas que falam de sonhos, de amizade, de estar junto. Acho que ambas, cada uma à sua maneira, podem também povoar estes tempos de Copa do Mundo, de tradição e paixão.
GENIODOCRIMECAPA
O Gênio do Crime (Ed. Global)

textos de João Carlos Marinho

ilustrações de Mauricio Negro

1969/2005

 
OPRESENTECAPA

O Presente (Ed. Cosac Naify)

ilustrações de Odilon Moraes

2010

 

Renato Moriconi: um troféu Lobato e uma coxinha, por favor

renatomoriconi

 

Tive mais acesso ao trabalho do artista Renato Moriconi pela parceria dele com o escritor Ilan Brenman.

Eles publicaram vários livros juntos, entre eles a chamada Trilogia do Retrato, com os livros Telefone Sem Fio, Bocejo e Caras Animalescas. Fosse nas conversas, fosse nos livros prontos, sempre senti em Renato o seu cuidado com o objeto livro, a sua paixão por unir texto (mesmo que às vezes, às vezes não), ilustração e projeto gráfico. Como designer gráfico e também como escritor, seu olhar passa pelo todo e pelos detalhes. E, para uma apaixonada por livros infantis, isto é coisa de se considerar (rs).

 

 

Em 2013, a meu ver, seu trabalho deu um salto não de qualidade, mas de coerência. O lançamento de Bárbaro expressa tudo que falei sobre Renato acima.

BARBAROCAPANo livro, primeiro vemos um bárbaro – com sua espada e seu escudo – em direção a seu cavalo. Montado nele, ele luta e vence uma série de obstáculos – penhascos, pássaros selvagens, flechas lançadas por ogros, plantas carnívoras… A cada página um desafio e uma vitória. Até que, mais para o final, o bravo guerreiro tem uma surpresa inesperada… E é esta espécie de viagem circular que nos encanta: só com imagens, o leitor acompanha a aventura e seu desfecho com emoção e com a sensação – mesmo que inconsciente – do maravilhoso “poder” de um livro de papel. Inesquecível.

 

Por isso, vencer a terceira edição do Troféu Monteiro Lobato de Literatura Infantil – do qual me orgulho muito de ter colaborado para conceber na revista Crescer! – é momento mais do que merecido e, para comemorarmos todos juntos, ofereço este bate-papo com “nosso” premiado brasileiro. Ele também aparece três vezes na Lista dos 30 Melhores Livros Infantis do Ano, que a revista publica sempre em junho com Bárbaro, Caras Animalescas e Os Invisíveis. Sempre em mente que, reconhecimentos são ciclos do bem que culminam na qualidade da literatura para crianças feita no Brasil.

 

ESCONDERIJOS DO TEMPO: Você acaba de ganhar o III Troféu Monteiro Lobato de Literatura Infantil, oferecido pela revista Crescer. Presente na lista dos 30 Melhores Livros Infantis do Ano da revista há tantos anos você tinha alguma ideia que poderia ser sua vez?
RENATO MORICONI: Não fazia a menor ideia. No dia de receber o prêmio eu sabia apenas que o Bárbaro estava na lista dos 30, o que pra mim já foi uma grande alegria. Fiquei bem feliz quando descobri que tinha ganho o Troféu Monteiro Lobato deste ano.

 

ESCONDERIJOS: A que você atribui o prêmio, uma vez que ele é pelo trabalho desenvolvido em 2013? O que foi 2013 para você e sua carreira? Aconteceu de tudo! Bárbaro, final da Trilogia do Retrato, mudança para a França…

RENATO: Foi realmente um ano bom. Além de terminar a Trilogia com o Ilan e fazer o Bárbaro, publiquei meu primeiro livro com o grande amigo Tino Freitas e outro com o ator e poeta Jorge Emil, um pessoa maravilhosa que tive o prazer de conhecer. Essas foram algumas das boas experiências que tive no ano que passou.

ESCONDERIJOS: Sei que você sempre foi apaixonado por pintura, fala muito da coleção Gênios da Pintura, não? Era isso mesmo? Sempre desenhou, sempre quis ser um desenhista?

RENATO: Sim, sempre desenhei. Quando criança, na minha mente povoavam os personagens de desenhos animados, como Pica-Pau, Pantera Cor-De-Rosa, Pernalonga. Tive sorte de crescer com esses desenhos, pois são obras-primas. Neles há uma ótima relação entre música, imagem e movimento, um humor finíssimo, além de uma seleção musical magnífica (comecei a gostar de jazz por causa de alguns desses desenhos). Chuck Jones, o melhor diretor de Pernalonga na minha opinião, era um grande mestre da narrativa visual. O curta animado O Ponto e a Linha é um ótimo exemplo da perfeita relação entre som imagem e movimento, cooperando para uma bela narrativa.

Confira aqui o curta O Ponto e a Linha aqui (não encontrei nenhuma versão com legenda em português…):


Foi um privilégio ver isso na infância. Somente na adolescência comecei a me interessar pelas obras dos grandes pintores, como Piero Della Francesca, Hans Holbein, Lucas Cranach. Fui apresentado a boa parte desses pintores por uma publicação chamada Gênios da Pintura, um impresso de grande formato que divulgava a vida e a obra de grandes artistas. Costumo mencionar essa coleção quando falo sobre o livro Telefone Sem Fio, pois ela me inspirou na criação do projeto gráfico dele. Foi uma coleção marcante na minha formação escolar. Me lembro que alguns dos meus professores de educação artística a utilizavam em sala de aula como mediação, já que não visitávamos museus. Uma pena. Mais tarde descobri o prazer de ver pinturas de perto. Me arrependo de não ter descoberto esse prazer mais cedo. Assim como me arrependo de ter tido contato com boas obras literárias após a adolescência, com uns vinte e poucos anos. Fui precoce em alguns pontos na minha vida e tardio em outros.

ESCONDERIJOS: Você começou a trabalhar como autônomo aos 18…

RENATO: Comecei a trabalhar muito cedo, por exemplo. Com 13 anos consegui um emprego como office-boy. Com 14 eu já estava trabalhando como ilustrador, em uma pequena editora em São Paulo. Com 18 anos eu pedi demissão dessa editora e virei autônomo. Sempre sonhei com esse momento de liberdade. Poder escolher os projetos que queria fazer, que não eram contrários à minha consciência. Alinhar meu desenho, minha pintura, a um discurso que eu acreditava, era algo extremamente relevante pra mim. Meu ateliê era um cantinho no quarto onde minha mãe, meu irmão e eu dormíamos. Eu não tinha telefone nem internet pra me comunicar com editoras, agências etc. Apenas um pager. Mas eu tinha liberdade. Ah! E como é bom tê-la! Demorei também pra ingressar no ensino superior. Terminei o Ensino Médio com 17 anos e entrei no curso superior de Artes Plásticas com 22. Lá tive contato com técnicas que eu não dominava, mas a experiência mais enriquecedora dessa época foi o contato, mesmo que muito superficial, com a filosofia da comunicação e da arte, que me fizeram repensar meu lugar no mundo. Em minha busca por respostas às minhas questões existenciais na adolescência, me converti numa pessoa cheia de verdades absolutas. Alguns textos e obras que foram apresentados na faculdade me fizeram duvidar das minhas certezas. Gostei bastante dessa experiência e decidi aprofundá-la na especialização em Design.

 

ESCONDERIJOS: No curso que fiz do Odilon Morais e Fernando Viela no Instituto Tomie Ohtake, eles claramente falam muito de seu talento quando assistia aos workshops deles. Você estava em qual “estágio” de sua carreira quando fez o curso?

RENATO: Nessa época eu já tinha publicado uns 15 ou 20 livros aproximadamente. Tinha acabado de concluir a graduação em Artes Plásticas. O curso dos dois foi fundamental pra mim. Vi na fala deles uma consciência sobre texto, imagem e objeto que ampliaram minha visão sobre a arte do livro.

ESCONDERIJOS: Já vi você falando diversas vezes que mudou seu jeito de ilustrar ou fazer livros, que até não faria livros da mesma maneira hoje… O que mudou

em você? Acha que assumir isso é uma virtude?
RENATO: Como falei anteriormente, comecei a trabalhar com desenho muito cedo. Olho para aquilo que publiquei da mesma forma que olho para um caderno de estudos, cheio de registros de aprendizado. Tem coisas que fiz que eu gosto. Outras não.

ESCONDERIJOS: E como o livro ele está na sua infância? E os livros infantis? Qual foi o livro que você olhou e disse: agora tudo mudou, “quero fazer isso”?

CANTIGAMENTECAPARENATO: O livro é pra mim um dos melhores suportes para a imaginação. Acho que isso vem da minha relação com ele na infância. Lembro da minha mãe lendo para o meu irmão e pra mim, quando estávamos deitados, prontos pra dormir. A imagem dela e do livro se confundia com as imagens do sonho, que já começava a chegar com o sono. Sobre o livro que me marcou e me despertou para a arte dos livros para crianças, cito Cantigamente (Vejam a capa aqui para procurarem (foi relançado pela editora Nova Fronteira em 2012), do trio Leo Cunha, Marilda Castanha e Nelson Cruz. Creio que o peguei emprestado umas 10 vezes na biblioteca. Hoje tenho o meu exemplar.

 

ESCONDERIJOS: Concorda que a trilogia do Retrato e Bárbaro sempre serão dois marcos em sua carreira? Se sim, me diga por que e o que eles representam em você, aí no seu coração (não somente na sua carreira)

RENATO: Da Trilogia, destaco Telefone Sem Fio. Ele e o Bárbaro são sem dúvida os livros que mais alegria me deram. Mas acho que já falei tanto sobre eles que tenho medo dos outros filhotes poderem ficar enciumados…

ESCONDERIJOS: Você é um estudioso do livro ilustrado? Qual é o papel dele na vida das pessoas, no incentivo à leitura?

RENATO: O livro ilustrado é pra mim um espaço aberto e convidativo para experimentação em artes visuais. Alguns desses livros são um diálogo claro com aquilo que em arte contemporânea chamam de “livro de artista”. Creio que os bons livros ilustrados são aqueles que se distanciam de qualquer função didática da imagem, distanciando-se portanto do conceito muito associado à palavra ilustração: imagem explicativa, que joga luz sobre o um texto ou uma ideia. Por causa disso, prefiro mais o termo “álbum”, livro álbum, como adotaram os franceses, pra se referir a esse tipo de livro.

ESCONDERIJOS: O que há no livro que você ainda quer fazer?

RENATO: O que ainda não foi feito. O difícil é achar isso.

ESCONDERIJOS: E, para terminar, pensando que Esconderijos do Tempo, o nome do meu site, se refere a algo do campo das artes, do lúdico, da fantasia, do afeto, algo que a gente se lembra e se sente com a alma abraçada… o que você guarda em seu Esconderijos do Tempo de mais especial?

RENATO: Uma coxinha de frango e um copo de café com leite. Quando eu estou triste, vou lá e dou uma mordida, uma golada, e tudo fica bem.

 

CONVIDADO: BRUNO OKADA EM UM DIA DE PLANETA TANGERINA

 

BRUNOOKADAFOTO Convivi com o ilustrador Bruno Okada na Editora Globo, por conta da equipe formada para criar o Mundo do Sítio, rede social voltada para crianças inspirada e com o “poder” de divulgar a obra de Monteiro Lobato no mundo virtual.

Ele trabalhou na nova versão dos personagens do Sítio do Picapau Amarelo (que também aparecem nas animações exibidas na TV). Adora trabalhar em projetos voltados para crianças.

 

 

 

Para quem não sabe, olha a cara da turma no traço de Bruno:

MUNDODOSITIOTODOS

Sempre adorei o cuidado dele com o que fazia, a maturidade e a paixão por desenhar profossionalmente mesmo sendo ainda tão jovem. E, claro, a cada elogio que eu emitia sobre seu desenho, um sorrisão tímido vinha com tudo em forma de agradecimento. E foi com esta gentileza e vontade de aprender que Bruno cursou dois dias de workshop com a ilustradora Yara Kono (no Brasil temos A Ilha, Em Cima Daquela Serra, Eu Só Só Eu com desenhos dela). Paulistana mas residente de Portugal, ela faz parte dos estúdios da editora Planeta Tangerina, conhecida pelo seus ousados projetos na produção de criativos livros-álbum (em que ilustração, projeto gráfico e texto dividem o papel de contar uma história) e eleita na Feira do Livro Infantil de Bologna de 2013 a mais importante editora da Europa.

Neste vídeo, dá para ter uma ótima ideia das produções do grupo:

Parabéns, Planeta Tangerina | Congratulations, Planeta Tangerina from Vera Moutinho on Vimeo.

Hoje designer no Cartoon Network, Bruno foi em busca de compreender o poder da simplicidade.

Convidei-o para escrever a experiência deste encontro aqui para a seção Convidados do Esconderijos, para que a gente possa refletir sobre como estes artistas se influenciam e como a paixão por mudar pode ser o start principal da criatividade.

Conheci o trabalho do Planeta Tangerina há algum tempo, mas fui me apaixonar pra valer mesmo no fim de 2013, quando três integrantes do grupo vieram a São Paulo para uma conversa no Sesc Belenzinho.

O que sempre me encantou nos livros deles foi a simplicidade, tanto nas imagens quanto nas histórias que contavam. A impressão que tenho é que existe sempre um espaço, um respiro, e é nesse vão que a gente reflete sobre a história que está sendo contada.

Pude ver naquele encontro essa simplicidade quando eles falam sobre seus trabalhos. Por exemplo, o João (Gomes de Abreu, escritor de A Ilha) falou da preocupação que tem com o papel escolhido para a impressão dos livros, que vai envelhecer com o tempo e que isso transforma o livro como objeto e a história que ele carrega. Eu, que sou bem chato, teria preguiça de uma história dessas se a ouvisse de outra forma. É comum ouvir histórias de quem trabalha com projetos para crianças carregadas de romantismo e conceitos pedagógicos, cheias de certezas do que a criança gosta, de como a criança pensa. Mas todos os relatos que ouvi naquele dia foram simples, foi tudo muito sincero.

 Por isso, não pensei muito pra me inscrever quando soube do workshop da Yara Kono, ilustradora do estúdio, no Instituto Tomie Othake em São Paulo.

 A proposta da oficina da Yara era criar um mini livro-álbum, nos moldes dos livros do Planeta Tangerina, com o tema trajeto. Poderia ser um trajeto mais literal (o caminho casa-trabalho/trabalho-casa) ou algum trajeto mais subjetivo. Poderíamos explorar o formato e brincar com ele, fazer furos nas páginas, mudar as dimensões, experimentar.

Estava apreensivo pelo pouco tempo que teria pra desenvolver a ideia. No primeiro dia de oficina fiquei bem ansioso por ficar pensando que teria que entregar um livro pronto no dia seguinte e que ele seria avaliado por todos ali e não fui muito produtivo. Ao apresentar minha ideia pra Yara, ela acabou me lembrando do que eu mais gosto dos livros deles. Sugeriu simplificar, quanto mais simples mais forte seria a ideia. O meu trajeto seria então a jornada de uma pizza. Um lado do livro mostraria quem pega o telefone e faz o pedido, o outro a pizzaria recebendo a ligação até que os dois lados se encontram na dupla do meio.

Resolvida a ideia, o próximo chefão do jogo pra mim foi trabalhar a mão. Normalmente desenho a lápis e caneta, mas a ideia de apresentar um trabalho finalizado a mão é sair bastante da minha zona de conforto.

Por sugestão da Yara, resolvi trabalhar com colagem. Tentei não pensar muito e ir fazendo, sem me preocupar com o resultado final, senão ia continuar hiperventilando e correndo em círculos e ia acabar não fazendo nada. Funcionou. Não lembro há quanto tempo não parava e trabalhava com calma, mas a sensação de trabalhar desse jeito mais despretensioso era bem familiar. E é até engraçado como as conclusões que cheguei são óbvias: o processo de recortar e colar “de verdade” é o mesmo que no digital, só que muito mais divertido e… real. A única coisa é que na vida real não tem ctrl+z. E tudo bem!

BRUNOOAKADAPROJETOOFICINAp

Nas seis horas que tivemos para desenvolver o livro, finalizei duas páginas, o que pra mim foi uma conquista. A apresentação dos trabalhos foi a melhor parte. Era uma ideia mais legal que a outra, o resultado foi impressionante. Nesse pouco tempo saíram livros que facilmente seriam publicados.

A troca de experiências foi muito enriquecedora, gostei muito de ouvir o processo de cada um. E é muito curioso ver que da mesma proposta saíram histórias tão distintas: desde a transformação de uma pipoca em cocô até uma história de amizade a distância.

 

Saí do segundo dia de oficina mais leve, mais corajoso e muito inspirado. E venho tentando aplicar essa simplicidade no meu cotidiano, sem pensar muito nas consequências e sem ctrl+z na vida real. E tudo bem.

 

Pelo Nariz

Eu sempre amei o cheiro de grama molhada e grama cortada.

Enjoo até hoje de cheiro de gasolina.

Humm, pãozinho de padaria quentinho em cima da mesa, que cheiro bom que combina bem com o do café com leite.

Foram muitos e hoje eles são completamente diferentes da minha infância: mas nada como o cheiro de domingo de manhã…

PELONARIZDENTRO

Foi tudo que voltou em mim ao ler Pelo Nariz, livro mais recente da quase dupla Arthur Nestroviski e Marcelo Cipis. Eles já lançaram Barulho, Barulhinho e Barulhão e Cores das Cores, todos pela Cosac Naify. No primeiro, o sentido aguçado era a audição.

BARULHOBARULHAODENTRO

No segundo, luzes e cores mexem com nossa visão.

CORESDASCORESDENTRO

Mas agora, é o nariz o protagonista de uma série de cheiros e possibilidades boas de a gente puxar pela memória e se identificar. Delícia de conferir com a criança em várias idades, que vai ser desafiada pelo vocabulário amplo e pelo traço de Cipis, sempre tão típico, preciso, criativo e surpreendente.

Depois a brincadeira sempre pode continuar listando outros cheiros. Dá até para fazer um jogo em família, na turma de amigos. E, de quebra, curtindo um cheiro gostosíssimo também lembrado pelos autores: o delicioso cheiro de livro. (também recomendado acompanhar com cheiro de bolinho de chuva, ou bolo de chocolate, cheiro de mato ou de manta quentinha…)

Em tempo: vale conferir sempre o trabalho em separado destes dois grandes artistas brasileiros. Nestroviski, um dos mais generosos que já conheci, é também músico e hoje é nada mais, nada menos, que diretor artístico da Fundação Osesp. É dele também a trilha da segunda versão do Vila Sésamo da TV Cultura. Mais em arthurnestroviski.com.br.

Marcelo Cipis também tem trabalho bom que não acaba mais. Com seu traço reconhecível e encontrado não somente em livro, mas também revistas e jornais, Cipis inventa sem parar. Seu último livro-loucura também é da Cosac Naify e se chama Super Zeróis, em que ele inventou uma liga de super-heróis desastrados mas não é só esta a surpresa para o leitor: o livro é em formato de páginas-cartas e de um lado, está lá o herói todo pose; de outro, um outro lado que talvez ele não quisesse mostrar… Veja mais neste vídeo:

 

e mais sobre ele em marcelocipis.com.br

PELONARIZCAPA

Pelo Nariz (Ed. Cosac Naify)

texto de Arthur Nestroviski

ilustrações de Marcelo Cipis

2013

A Caligrafia de Dona Sofia

Como é bom se apaixonar. Geralmente acontece com algo que você não conhecia antes. Aquele prazer de ver algo pela primeira vez. Há livros que eu tenho isso tão bem guardado no Esconderijo do Tempo que basta a mínima menção de ver uma pontinha dele na estante e lá estou eu suspirando…

CALIGRAFIADONASOFIANDETRO

A Caligrafia de Dona Sofia é assim. Representa muito para mim. Representa que eu, naquele momento, já me reconhecia no universo da literatura infantil, porque eu queria a qualquer custo conhecer a história de seu autor, André Neves, um pernambucano que morava no Rio Grande do Sul. E eu achava que era só isso, imagine.

O livro chegou a mim na redação da revista Crescer, por conta de uma segunda edição feita pelo autor e lançada pela Editora Paulinas. A senhora já me encantou na capa, com sua mão firmemente segurando um lápis. Gostei da forma que o André assinava o livro e aquelas colagens harmonicamente combinadas em tons terrosos… Na dedicatória, uma afetividade explícita: “Para Badida, pois, acreditem, ela tem uma casa toda escrita. Para a minha irmã Elma, que tanto amo, e que tem uma caligrafia tão bonita quanto a de Dona Sofia”.

Quem não se animaria a este convite? Era 2007.

Primeira capa: CALIGRAFIADONASOFIAVERSAO1 Segunda capa: CALIGRAFIADONASOFIA2 Afinal, mas quem é essa Dona? Nas primeiras páginas, obras e autores estão jogados como se fosse um erro poético de diagramação. Roseana Murray, Fernando Pessoa, Fernando Paixão. Trata-se de uma introdução à inesperada decoração de uma casa especial que estava prestes a ser exposta. Segue um texto-prefácio do poeta Elias José (falecido em 2008) – “é um livro que a gente lê e diz com uma invejinha positiva: por que não fui eu quem o escreveu?”.

Na página seguinte, o primeiro parágrafo dá a primeira flechada de curiosidade na gente:

Enquanto as flores desabrochavam, os primeiros raios de sol foram surgindo no horizonte, interrompendo a brisa fria e suave da madrugada e novamente despertando a cidade para um novo amanhecer. Toda aquela região era cercada por colinas. Bem lá no alto, na mais alta delas, morava uma velha senhora chamada Dona Sofia.

Ao lado e nas páginas seguintes, Gonçalves Dias, Castro Alves e outros poetas vão dizendo suas emoções a nós, ao mesmo tempo em que André nos apresenta em palavras, traços e cores a protagonista da história. Professora aposentada, ela tinha uma casa bem diferente das outras: as paredes eram decoradas com poesias. Ela mesma as escrevia por todos os cantos. O problema é que o tempo foi passando e as poesias, claro, brotaram ainda mais. Quase sem controle. E não havia mais espaço para novas e então Dona Sofia teve a ideia de escrever e presentear os moradores vizinhos. Preparou vários cartões poéticos e chamou Seu Ananias, o carteiro que conhecia todos na cidade.

CALIGRAFIADONASOFIAANANIAS

Ele adorava a companhia de Dona Sofia. Com a poesia correndo solta, em diversas formas, de Garcia Lorca a João Cabral de Melo Neto, o autor do livro nos expõe uma virada na história: Seu Ananias também recebe um cartão-poético da professora. A primavera é a estação dos risos. Casimiro de Abreu E nasce ali uma paixão. E é Seu Ananias, esbanjando sensibilidade, que nos faz notar uma falta da professora semeadora de poemas: alguém ainda manda cartas para Dona Sofia? É desta forma que o círculo cria movimento. A velha senhora passa a receber mais do que cartas. O leitor entende mais do que poesias. E, dizem, esse semear não para nunca.

Dona Sofia existe. Sob a poesia da artista plástica cearense Badida, que foi professora de pintura de André, ele transformou memória em livro. Ele conta que os poemas na casa dela estão por todos os lados, até mesmo em rodapés e almofadas. Não à toa, Badida é conhecida como a artista que pinta a literatura. 

A Caligrafia de Dona Sofia (Ed. Paulinas)

textos e ilustrações de André Neves

2007

Já somos grandes: Dib e o teatro infantil hoje

Sem sonho, sem fantasia, para que oxigênio? De todas as maravilhas reunidas no Já Somos Grandes (Ed. Giostri), livro do principal crítico de teatro infantil brasileiro, o jornalista Dib Carneiro Neto, esta foi uma que não me sai da cabeça. Dá a dimensão exata – e quase literal – do sufoco que passamos com a onda de politicamente correto nas artes “para crianças”.

JASOMOSGRANDESDIB

Mas Já Somos Grandes nos dá muito mais. Dib reuniu no livro críticas de peças publicadas no jornal Estado de S. Paulo (onde ficou por duas décadas) e no site da revista Crescer (onde está atualmente publicando textos todas as sextas-feiras), entrevistas especiais, debates, balanços anuais da produção de 2001 a 2012, ano a ano, ou seja, um registro fundamental. E, de presente, nos dá uma visão otimista que me acalma tanto como mãe – Clarice tem o privilégio de acompanhar uma onda de qualidade no teatro e já está experimentando da plateia! -, tanto como especialista e também como colega de tantos profissionais que dão a vida para colocar um parâmetro de qualidade e respeito quando o assunto é subir ao palco e apresentar um espetáculo artístico para uma plateia em que as crianças podem ser maioria. Ao contrário do que publicou em Pecinha É a Vovozinha, seu primeiro livro lançado em 2003, Dib mostra um teatro infantil evoluído no país, com o preconceito e, em nome dele, as más produções, diminuindo cada vez mais. “O Pecinha é a Vovozinha, lançado em 2003, apontava os defeitos que eu via naquele momento. Também surgiu de uma reportagem que eu fiz na época, em que listei os 10 pecados da literatura infantil. Foi um sucesso absurdo. Imprimiam a lista. Aí fiz o livro para ter o registro. E mostrar como as pessoas tinham preconceito”, conta o jornalista.

 

Claro que, como nunca é demais, ele republica a lista, resumidamente, com os 10 pecados, no segundo livro:

1. Excesso de intenções didáticas.


2. Uso de humor fácil e grosseiro.

3. Precariedade/excesso de efeitos multimídias.

4. Obsessão pela lição de moral.


5. Facilitação e edulcoração dos contos de fadas.

6. Cenas com participação forçada da plateia.


7. Divisão dos espetáculos em rótulos por faixa etária.

8. Abusar sem técnica e arte do nariz de palhaço.

9. Desleixo nos diálogos.

10. “Premiar” a plateia com brindes e sorteios que tiram o foco do espetáculo.

Até aqui já tem bastante pano para conversa, né? Mas Dib abre o livro com um achado histórico. Um texto de Bárbara Heliodora, uma das mais importantes críticas de teatro no Brasil, escrito em 1961. Nele ela fala da falta de qualidade e critério na qual se encontrava no teatro para crianças. Tudo em nome de uma “suposta pedagogia” e com uma “exacerbação emocional gratuita”. Lembrava que “o teatro é uma experiência artística, estética, independente, autônoma”. Que PODE educar. Mas “pelos próprios meios, pela ampliação da experiência de conhecimento humano. E nunca pela lição de moral empurrada goela abaixo”. É sensacional porque poderíamos colocar esta crítica como alarme também na produção de livros infantis, filmes, programas de TV. Existe um conceito bizarro no ar que criança precisa viver em uma aula contínua, eterna. E que a experiência estética pode ficar de lado.

Mas Dib nos mostra que não há retrocesso e o teatro infantil melhora a cada ano. E, tenho certeza, tem muito da contribuição dele, em críticas que respeitam a todos os envolvidos. O que temos? De um lado, as crianças e famílias com mais parâmetros artísticos para comparar. De outro, grupos e espaços preocupados com a visão do artista para a criança, a forma de abordagem, quebra de tabus (sejam temas difíceis, sejam formas de se apresentar), e o que é dito é dito com respeito e mais qualidade na palavra, na atuação, na trilha sonora, no cenários, figurinos e tudo o mais. Um caminho para entendermos por que levar a criança ao teatro. “Para a criança se conhecer, perceber o outro, o mundo”, escreve Dib.

Para completar, há depoimentos primorosos de artistas muito diferentes entre si e igualmente majestosamente talentosos. Como de Ilo Krugli, o criador do VentoForte, uma referência:

“A nossa não é apenas uma profissão em si, é uma atitude. A criança que vê atores fazendo, refazendo, criando, recriando, reinventando, tudo sem limites, essa criança vai desenvolver uma disposição e uma energia para, ao longo da vida dela, não engolir teses, saber ter jogo de cintura, reinventar sua própria vida e, sobretudo, brincar muito, em todas as situações, não importa que idade esteja.”

Natural de São José do Rio Preto, SP, Dib também escreve para teatro. Adivinhe Quem Vem Para Rezar foi encenada por Paulo Autran; Salmo 91 lhe rendeu em 2008 o Prêmio Shell de Melhor Dramaturgo; a adaptação do livro Estação Carandiru, de Drauzio Varella, teve direção do premiado Gabriel Vilela; sua tradução do francês Calígula teve interpretação de Thiago Lacerda; ainda adaptou para o teatro os livros Crônica da Casa Assassinada, de Lúcio Cardoso, e Depois Daquela Viagem, best-seller juvenil de Valéria Polizzi. Este ano estreou Um Requiém para Antonio. Dib é autor também de A Hortelã e a Folha de Uva, crônicas culinárias sobre sua ascendência libanesa.

JASOMOSGRANDESCAPA

Confiram o bate-papo que tive com Dib esta semana. E se inspirem a experimentar teatro infantil esta semana… e na outra… e na outra…

ESCONDERIJOS DO TEMPO: O livro ficou otimista…

Dib Carneiro Neto: Sim! O livro ficou todo otimista. Eu acho que melhorou muito mesmo. O Pecinha é a Vovozinha, lançado em 2003, apontava os defeitos que eu via naquele momento. Também, como este, surgiu de uma reportagem que eu fiz na época, em que listei os 10 pecados da literatura infantil. Foi um sucesso absurdo. Imprimiam a lista. Aí fiz o livro para ter o registro. E mostrar como as pessoas tinham preconceito.

ESCONDERIJOS: E então mostra que foi nos últimos 10 anos que isso mudou…

Dib: Há ma consciência muito maior de quem faz, com críticos acompanhando nos jornais dando opinião e mostrando aspectos importantes. Mesmo que a família não concorde, é alguém dando importância para o teatro infantil. Bem como os prêmios também são importantes e só existiam para teatro adulto… Quando me perguntam o que melhorou eu digo isso. E também coloco na lista inclusive a vinda do Cirque du Soleil no Brasil.

ESCONDERIJOS: Por oferecer um espetáculo grandioso…

Dib: Para as pessoas verem que “é para criança” mas dá para ser bem feito, tem a qualidade artística necessária, é ao mesmo tempo para pais e filhos… é claro que é uma franquia, não temos esses recursos, mas serviu de parâmetro.

ESCONDERIJOS: Os musicais também?

Dib: Também, tem razão, entra nesse pacote. Música é algo muito presente, é dificil não ter. Tudo bem se não tiver mas, se tem, vamos fazer direito! Compor uma trilha, parar de copiar as músicas dos filmes da Disney! Isso é uma loucura, corre para o teatro para levar os filhos para ver os clássicos. E às vezes não se importa com a qualidade, se encanta e acha que está mostrando teatro para os filhos. É um círculo vicioso que acaba alimentando os oportunistas que não se preocupam com a qualidade artística.

ESCONDERIJOS: Me dá mais exemplos desta evolução…

Dib: Por exemplo temas que eram tabus. Era assim: “teatro infantil é pecinha com musiquinha alegrinha para a criança ficar feliz e com uma lição de moral”. Aí começou a ter peças que não tinham finais felizes, que falavam da morte do pai, da mãe, da avó… sem medo de chocar. Só que foi um processo. Os pais não se conformavam. Eu já fui à peça que morria alguém e virava uma tristeza no palco. Aí vi pais pegando o filho na mão com um “vamos embora, eu não trouxe meu filho para sofrer”. Aí foi mudando. Sabe, se informa antes. Vai lá sabendo o que vai encontrar para não fazer isso no meio da história.

ESCONDERIJOS: Até porque, pode atrapalhar outras pessoas… Já encontrou muita criança chorando, emocionada?

Dib: Sim, já vi cenas lindas de reação de criança com pai. Se abraçando, o filho se declarar para os pais, pegar na mão, pular da poltrona pra o colo.

ESCONDERIJOS: Demonstrar afeto…

Dib: Isso. E não precisa falar nada. Deixa a criança ter a reação. É lindo quando os pais não tem esta ansiedade de querer falar sobre a peça, de na hora que acaba já grudar na criança e dizer “o que você achou??”… deixa a criança em paz! São exemplos da evolução…

ESCONDERIJOS: Quando foi que você se lembra da primeira peça infantil da vida?

Dib: Eu morava em São José do Rio Preto, no interior de São Paulo, e eu tinha menos de 10 anos. Era uma peça que subvertia os super-heróis, eram os conhecidos, mas fracotes. Isso para mim já foi uma ousadia. Mas o que aconteceu é que o bairro ficou sem energia e a peça teve que começar sem luz. E eu estava amando! De repente voltou a luz e, no meio da peça, eles resolveram fazer tudo direito e quando eu vi aquilo, a diferença de luz e sem luz, eu não acreditava naquelas possibilidades, naquelas cores, naquele jeito de iluminar, as pessoas no palco… Eu já estava adorando e aí então fez-se a luz – em todos os sentidos! (risos) – e eu fiquei maluco. Foi o que ficou para mim.

ESCONDERIJOS: Aqui eu falo muito sobre momentos que a gente guarda da infância e que, muitas vezes, a gente lembra, abraça nossa alma, e faz sentido com o que fazemos hoje. E o que tem no seu Esconderijo do Tempo?

Dib: Eu fui uma criança muito introspectiva. Mas a minha cabeça fervia. Então eu lembro de o caminho da escola para casa, eu ia a pé. Tudo que acontecia na escola eu não abria a boca. Mas neste trajeto até em casa, minha cabeça voava e eu revivia sozinho as situações dentro da minha mente, fantasiando, refazendo, respondendo coisas que eu poderia ter respondido… esse mundo interior muito rico acho que acabou me levando para este lado da criação, do lado artístico, querer ir para o jornalismo. Uma cabeça muito imaginativa. Eu recriava a realidade e era isso que me alimentava. Ninguém imaginava isso.

Outra coisa que me marcou muito era a estante lá de casa. Meus pais compravam livros, incentivam ler. E tinha uma cadeira de balanço, de palhinha mesmo, e eu sentava nesta cadeira e lia. Meus irmãos correndo pela casa, jogando bola e eu sentado na cadeira de balanço lendo. E eu tenho esta cadeira hoje. Depois que meus pais e avós morreram, as pessoas diziam “esta cadeira tem que ser sua”. E ela está lá na minha casa até hoje e eu até hoje sento. As pessoas ficam até acanhadas em sentar nela! (risos).

E o fato de ser uma família de interior e mesmo assim meus pais terem me levado no teatro, mesmo sendo caro. Eles enxergaram isso.

Abaixo, alguns links com trechos ou espetáculos inteiros destacados no livro de Dib:

Sonhatório, da Cia Truks

A Cortina da Babá, do Grupo Sobrevento

O Colecionador de Crepúsculos, de Vladimir Capella