Renato Moriconi: um troféu Lobato e uma coxinha, por favor

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Tive mais acesso ao trabalho do artista Renato Moriconi pela parceria dele com o escritor Ilan Brenman.

Eles publicaram vários livros juntos, entre eles a chamada Trilogia do Retrato, com os livros Telefone Sem Fio, Bocejo e Caras Animalescas. Fosse nas conversas, fosse nos livros prontos, sempre senti em Renato o seu cuidado com o objeto livro, a sua paixão por unir texto (mesmo que às vezes, às vezes não), ilustração e projeto gráfico. Como designer gráfico e também como escritor, seu olhar passa pelo todo e pelos detalhes. E, para uma apaixonada por livros infantis, isto é coisa de se considerar (rs).

 

 

Em 2013, a meu ver, seu trabalho deu um salto não de qualidade, mas de coerência. O lançamento de Bárbaro expressa tudo que falei sobre Renato acima.

BARBAROCAPANo livro, primeiro vemos um bárbaro – com sua espada e seu escudo – em direção a seu cavalo. Montado nele, ele luta e vence uma série de obstáculos – penhascos, pássaros selvagens, flechas lançadas por ogros, plantas carnívoras… A cada página um desafio e uma vitória. Até que, mais para o final, o bravo guerreiro tem uma surpresa inesperada… E é esta espécie de viagem circular que nos encanta: só com imagens, o leitor acompanha a aventura e seu desfecho com emoção e com a sensação – mesmo que inconsciente – do maravilhoso “poder” de um livro de papel. Inesquecível.

 

Por isso, vencer a terceira edição do Troféu Monteiro Lobato de Literatura Infantil – do qual me orgulho muito de ter colaborado para conceber na revista Crescer! – é momento mais do que merecido e, para comemorarmos todos juntos, ofereço este bate-papo com “nosso” premiado brasileiro. Ele também aparece três vezes na Lista dos 30 Melhores Livros Infantis do Ano, que a revista publica sempre em junho com Bárbaro, Caras Animalescas e Os Invisíveis. Sempre em mente que, reconhecimentos são ciclos do bem que culminam na qualidade da literatura para crianças feita no Brasil.

 

ESCONDERIJOS DO TEMPO: Você acaba de ganhar o III Troféu Monteiro Lobato de Literatura Infantil, oferecido pela revista Crescer. Presente na lista dos 30 Melhores Livros Infantis do Ano da revista há tantos anos você tinha alguma ideia que poderia ser sua vez?
RENATO MORICONI: Não fazia a menor ideia. No dia de receber o prêmio eu sabia apenas que o Bárbaro estava na lista dos 30, o que pra mim já foi uma grande alegria. Fiquei bem feliz quando descobri que tinha ganho o Troféu Monteiro Lobato deste ano.

 

ESCONDERIJOS: A que você atribui o prêmio, uma vez que ele é pelo trabalho desenvolvido em 2013? O que foi 2013 para você e sua carreira? Aconteceu de tudo! Bárbaro, final da Trilogia do Retrato, mudança para a França…

RENATO: Foi realmente um ano bom. Além de terminar a Trilogia com o Ilan e fazer o Bárbaro, publiquei meu primeiro livro com o grande amigo Tino Freitas e outro com o ator e poeta Jorge Emil, um pessoa maravilhosa que tive o prazer de conhecer. Essas foram algumas das boas experiências que tive no ano que passou.

ESCONDERIJOS: Sei que você sempre foi apaixonado por pintura, fala muito da coleção Gênios da Pintura, não? Era isso mesmo? Sempre desenhou, sempre quis ser um desenhista?

RENATO: Sim, sempre desenhei. Quando criança, na minha mente povoavam os personagens de desenhos animados, como Pica-Pau, Pantera Cor-De-Rosa, Pernalonga. Tive sorte de crescer com esses desenhos, pois são obras-primas. Neles há uma ótima relação entre música, imagem e movimento, um humor finíssimo, além de uma seleção musical magnífica (comecei a gostar de jazz por causa de alguns desses desenhos). Chuck Jones, o melhor diretor de Pernalonga na minha opinião, era um grande mestre da narrativa visual. O curta animado O Ponto e a Linha é um ótimo exemplo da perfeita relação entre som imagem e movimento, cooperando para uma bela narrativa.

Confira aqui o curta O Ponto e a Linha aqui (não encontrei nenhuma versão com legenda em português…):


Foi um privilégio ver isso na infância. Somente na adolescência comecei a me interessar pelas obras dos grandes pintores, como Piero Della Francesca, Hans Holbein, Lucas Cranach. Fui apresentado a boa parte desses pintores por uma publicação chamada Gênios da Pintura, um impresso de grande formato que divulgava a vida e a obra de grandes artistas. Costumo mencionar essa coleção quando falo sobre o livro Telefone Sem Fio, pois ela me inspirou na criação do projeto gráfico dele. Foi uma coleção marcante na minha formação escolar. Me lembro que alguns dos meus professores de educação artística a utilizavam em sala de aula como mediação, já que não visitávamos museus. Uma pena. Mais tarde descobri o prazer de ver pinturas de perto. Me arrependo de não ter descoberto esse prazer mais cedo. Assim como me arrependo de ter tido contato com boas obras literárias após a adolescência, com uns vinte e poucos anos. Fui precoce em alguns pontos na minha vida e tardio em outros.

ESCONDERIJOS: Você começou a trabalhar como autônomo aos 18…

RENATO: Comecei a trabalhar muito cedo, por exemplo. Com 13 anos consegui um emprego como office-boy. Com 14 eu já estava trabalhando como ilustrador, em uma pequena editora em São Paulo. Com 18 anos eu pedi demissão dessa editora e virei autônomo. Sempre sonhei com esse momento de liberdade. Poder escolher os projetos que queria fazer, que não eram contrários à minha consciência. Alinhar meu desenho, minha pintura, a um discurso que eu acreditava, era algo extremamente relevante pra mim. Meu ateliê era um cantinho no quarto onde minha mãe, meu irmão e eu dormíamos. Eu não tinha telefone nem internet pra me comunicar com editoras, agências etc. Apenas um pager. Mas eu tinha liberdade. Ah! E como é bom tê-la! Demorei também pra ingressar no ensino superior. Terminei o Ensino Médio com 17 anos e entrei no curso superior de Artes Plásticas com 22. Lá tive contato com técnicas que eu não dominava, mas a experiência mais enriquecedora dessa época foi o contato, mesmo que muito superficial, com a filosofia da comunicação e da arte, que me fizeram repensar meu lugar no mundo. Em minha busca por respostas às minhas questões existenciais na adolescência, me converti numa pessoa cheia de verdades absolutas. Alguns textos e obras que foram apresentados na faculdade me fizeram duvidar das minhas certezas. Gostei bastante dessa experiência e decidi aprofundá-la na especialização em Design.

 

ESCONDERIJOS: No curso que fiz do Odilon Morais e Fernando Viela no Instituto Tomie Ohtake, eles claramente falam muito de seu talento quando assistia aos workshops deles. Você estava em qual “estágio” de sua carreira quando fez o curso?

RENATO: Nessa época eu já tinha publicado uns 15 ou 20 livros aproximadamente. Tinha acabado de concluir a graduação em Artes Plásticas. O curso dos dois foi fundamental pra mim. Vi na fala deles uma consciência sobre texto, imagem e objeto que ampliaram minha visão sobre a arte do livro.

ESCONDERIJOS: Já vi você falando diversas vezes que mudou seu jeito de ilustrar ou fazer livros, que até não faria livros da mesma maneira hoje… O que mudou

em você? Acha que assumir isso é uma virtude?
RENATO: Como falei anteriormente, comecei a trabalhar com desenho muito cedo. Olho para aquilo que publiquei da mesma forma que olho para um caderno de estudos, cheio de registros de aprendizado. Tem coisas que fiz que eu gosto. Outras não.

ESCONDERIJOS: E como o livro ele está na sua infância? E os livros infantis? Qual foi o livro que você olhou e disse: agora tudo mudou, “quero fazer isso”?

CANTIGAMENTECAPARENATO: O livro é pra mim um dos melhores suportes para a imaginação. Acho que isso vem da minha relação com ele na infância. Lembro da minha mãe lendo para o meu irmão e pra mim, quando estávamos deitados, prontos pra dormir. A imagem dela e do livro se confundia com as imagens do sonho, que já começava a chegar com o sono. Sobre o livro que me marcou e me despertou para a arte dos livros para crianças, cito Cantigamente (Vejam a capa aqui para procurarem (foi relançado pela editora Nova Fronteira em 2012), do trio Leo Cunha, Marilda Castanha e Nelson Cruz. Creio que o peguei emprestado umas 10 vezes na biblioteca. Hoje tenho o meu exemplar.

 

ESCONDERIJOS: Concorda que a trilogia do Retrato e Bárbaro sempre serão dois marcos em sua carreira? Se sim, me diga por que e o que eles representam em você, aí no seu coração (não somente na sua carreira)

RENATO: Da Trilogia, destaco Telefone Sem Fio. Ele e o Bárbaro são sem dúvida os livros que mais alegria me deram. Mas acho que já falei tanto sobre eles que tenho medo dos outros filhotes poderem ficar enciumados…

ESCONDERIJOS: Você é um estudioso do livro ilustrado? Qual é o papel dele na vida das pessoas, no incentivo à leitura?

RENATO: O livro ilustrado é pra mim um espaço aberto e convidativo para experimentação em artes visuais. Alguns desses livros são um diálogo claro com aquilo que em arte contemporânea chamam de “livro de artista”. Creio que os bons livros ilustrados são aqueles que se distanciam de qualquer função didática da imagem, distanciando-se portanto do conceito muito associado à palavra ilustração: imagem explicativa, que joga luz sobre o um texto ou uma ideia. Por causa disso, prefiro mais o termo “álbum”, livro álbum, como adotaram os franceses, pra se referir a esse tipo de livro.

ESCONDERIJOS: O que há no livro que você ainda quer fazer?

RENATO: O que ainda não foi feito. O difícil é achar isso.

ESCONDERIJOS: E, para terminar, pensando que Esconderijos do Tempo, o nome do meu site, se refere a algo do campo das artes, do lúdico, da fantasia, do afeto, algo que a gente se lembra e se sente com a alma abraçada… o que você guarda em seu Esconderijos do Tempo de mais especial?

RENATO: Uma coxinha de frango e um copo de café com leite. Quando eu estou triste, vou lá e dou uma mordida, uma golada, e tudo fica bem.

 

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