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Forró Pras Crianças

FORROPRASCRIANCASCAPASou fã do cantor e compositor Zé Renato desde a infância, à época do começo do grupo Boca Livre, nos anos 70. Mais velha, passei a acompanhar melhor a carreira solo dele sempre com empolgação, mas nada me anima mais do que ouvir este CD ao lado da minha filha. A sala vira uma festa e, ao mesmo tempo, um motivo para colo e abraços embalados. Forró Prás Crianças, lançado em 2006, é uma farra para nos deleitarmos na essência da música nordestina ao lado das crianças.

É o segundo disco com o intuito de adaptar estilos da MPB para o universo infantil (o primeiro é Samba Pras Crianças, de 2003). Geralmente torço o nariz para adaptações, mas esta é feita com arranjos criativos, participações importantes, repertório criterioso. Entre os convidados estão Alceu Valença, que abre com Quadro Negro, sucesso de Jackson do Pandeiro, relembrado em outras cinco faixas; seguem Chico Buarque, com Morena Bela, Maria Rita com Sina de Cigarra, além de Eduardo Dussek, Elba Ramalho e outros artistas consagrados, além de um belíssimo coro de meninos e meninas, formadas no Conservatório Brasileiro de Música e na Escola de Música Villa-Lobos.

O que mais gosto é que a adaptação é tão refinada que o humor e a ternura são mantidos no tom do original. Zé Renato é pai e bom músico e sabe que não precisa “facilitar” nada para a criança assimilar.

Eis as faixas:

         1 Quadro Negro (
Jackson do Pandeiro / Rosil Cavalcanti), com Alceu Valença

         2 Morena Bela (Onildo Almeida / Juarez Santiago), com Chico Buarque 


         3 Forró em Limoeiro (Edgar Ferreira), com João Bosco 


         4 Sina de Cigarra 
(Jackson do Pandeiro / Delmiro Ramos), com Maria Rita

         5 Côco do Norte (Rosil Cavalcanti), com Silvério Pessoa 


         6 Cantiga do Sapo (
Jackson do Pandeiro / Buco do Pandeiro), com Zé Renato

         7 Sebastiana (Rosil Cavalcanti), com Eduardo Dussek 


         8 Amor de Mentirinha (Jackson do Pandeiro / Ivo Martins), coro de crianças 


         9 Tum tum tum (Ary Monteiro / Cristóvão de Alencar), com Roberta Sá 


         10 Forró em Campina (Jackson do Pandeiro), com Elba Ramalho 


         11 Canto da Ema (Ayres Vianna / João do Vale), com Renato Braz 


         12 Vendedor de Caranguejo (Gordurinha), com Rômulo Gomes 


         13 Chiclete com Banana (Gordurinha / Altamiro Castilho), com Zélia Duncan

         14 Cajueiro (
Jackson do Pandeiro / Raimundo Baima), coro de crianças e Severo

 

Forró Pras Crianças (Biscoito Fino)

Zé Renato e convidados

2006

 

 

Dez Causos de Pedro Malasartes e Sua Amiga Dona Veia

dezpedromalasartesDesde que sou criança, o grande contador de histórias da minha casa é o marido da minha irmã, o nosso Zé, que sempre foi um pai para mim. Outro dia, numa das conversas sobre sua infância no interior, ele me revelou que muitas das histórias que ouvia era com Pedro Malasartes, o grande – e adorável – malandro do nosso imaginário popular. Contei isso outro dia a Sérgio Serrano, autor ao lado de Cris Miguel de Dez Causos de Pedro Malasartes e Sua Amiga Dona Veia (Ed. Giramundo), o primeiro livro da dupla Ópera da Mala, muito conhecida pelo programa Baú de Histórias, veiculado pela Cultura e Rá Tim Bum. E ele me disse que como as histórias de Malasartes muitas vezes são, digamos, impróprias para criança (não é uma visão apenas politicamente correta da coisa, acreditem), eles recriam muitos enredos pois o importante é manter vivo o divertidíssimo personagem.

Porém, nem mesmo o já reconhecido trabalho da dupla isenta-os de ouvir que estão “destruindo” a tradição. Confesso que dei boas risadas quando ouvi isso. Veja só a incoerência: um personagem que se mantém vivo porque passa de geração em geração sendo narrado oralmente precisa de regras, segundo alguns. Nem combina com o próprio Malasartes, conhecido por sempre estar tentando tirar vantagem e nunca economizando na gente uma pura diversão. Que sentido tem essa queixa se a tradição oral se dá também pela transformação das histórias, as tantas versões, o olhar e alma de cada contador?

Vocês não imaginam a minha felicidade quando leio ou ouço hoje uma história que lembro ser do repertório do Zé. Nesta deliciosa compilação feita pela dupla Cris e Sérgio (as ilustrações são dele também!) narradas em forma de teatro, eis que vejo uma frase que amo desde criança: “sonhei que tava acordado, acordei para ver e tava dormindo”. O Zé sempre a repete quando estamos atrapalhados nas palavras, ou depois daquele cochilo repentino no sofá. Na história tem um sentido específico. Na minha memória tem vários outros, misturados ao afeto e ao vínculo que me conecta ao meu contador de histórias preferido. E, de tudo isso, a prova que todos fazemos parte de um belíssimo fio: o fio que costura as histórias e as nossas vidas por séculos e séculos.

dezcausospedromalasartescapaDez Causos de Pedro Malasartes e Sua Amiga Dona Veia (Ed. Giramundo)

textos e ilustrações Cris Miguel e Sergio Serrano

2013

palpite: para crianças de 4 a 100 anos

 

 

Hélio Ziskind, patrimônio das crianças

HZ33

Quem conhece a gaita já sabe quem tá chegando… ops, mas não é só o Júlio, não! Quem conhece a gaita sabe que vem canção boa de Hélio Ziskind, que tem um verdadeiro patrimônio de canções para crianças. E, como grande parte é de trilha para a TV (seja em programas ou comerciais), difícil achar quem não tenha alguma delas na memória. A lista é grande, de aberturas da TV Cultura a jingles para marcas como Johnson’s para crianças, passando por mais de 100 músicas para o Cocoricó, seu espaço mais do que especial de criatividade. Mesmo com a triste descontinuidade do programa, anunciado ano passado, ele continua com projetos para as clássicas composições, além material inédito: Hélio nunca para de criar.

Vamos, então, dar uma volta cronológica. Tudo começou em setembro de 1955, quando Hélio nasceu, em São Paulo. A infância no bairro do Pinheiros foi regada a muita música brasileira. Aos 7 anos ganhou uma medalha da professora de violão por sua performance com Esqueça, de Roberto Carlos. Aos 12 conta que compôs sua primeira canção, para um festival na escola. A paixão o levou para o curso de Composição no Departamento de Música da Escola de Comunicação e Artes da USP, em 1974. Lá conheceu uma turma que mudou a história da música paulistana e, ao lado de Ná Ozzetti, Luiz Tatit, Paulo Tatit, Gal Oppido e outros formou o grupo Rumo. Foi com eles que gravou seu primeiro trabalho para crianças, o disco Quero Passear, Prêmio Sharp de melhor disco infantil e melhor canção infantil com A Noite no Castelo, em 1988. Esta música, inclusive, foi seu laboratório quando deu aulas para crianças em um convervatório de música. Ele conta que a usou para mostrar o que era um som forte e um som fraco (provocando deliciosos sustos, não deixe de ouvir com as crianças! ). Funcionou, claro.

Mas foi na TV Cultura que seu caminho mudou. Convidado para compôr aberturas de diversos programas, estava lá quando surgiu a ideia de um especial de Natal inteiramente com bonecos chamado Um Banho de Aventura, para o qual foi designado para a parte musical. Seis anos depois era a vez da estreia de um novo programa, o Cocoricó, um dos maiores sucessos da emissora, com as aventuras de um menino, Júlio, que mora na fazenda dos avós e tem amigos incríveis – um cavalo, três galinhas e tudo o mais que já somos felizes de saber. Em 1997, lançou seu primeiro disco solo Meu Pé Meu Querido Pé reunindo canções do Cocoricó, Castelo Rá-Tim-Bum, Glub Glub, etc. E ainda vieram O Gigante da Floresta (2000), Cantigas de Roda (2004), Trem Maluco (2006) e O Elefante e Joaninha (2010).

Agora, Hélio vive um momento de rever sua história, seja regravando as canções de sucesso ele mesmo (como no DVD Show no Paiol em que ele vai ao cenário com sua banda e dá voz às músicas antes gravadas pelos personagens-bonecos, lançado em 2012), ou compilando mais de 90 músicas feitas para o programa na Coleção Có-có-coral!, lançada em 2013, com 4 CDs das versões originais. Isso não quer dizer que ele também não se envolva com novidades como o criativo curta-metragem de 10 minutos João, o Galo Desregulado, uma animação tocada e cantada por ele, com criação e direção de Camila Carrossine e Alê Camargo.

Em meio a tudo isso, ainda sobrou tempo para o CD Coração de 5 Pontas, um projeto especial para contar a história do São Paulo Futebol Clube, além de adaptações para musicais, como o Na Casa da Ruth (com poemas de Ruth Rocha) e Tic Tic Tati (com textos de Tatiana Belinky), que também viraram CD em parceria com a cantora Fortuna.

Conversei com ele sobre as novidades para 2014 e outros assuntos. Confira aqui um trechinho do nosso bate-papo!

 

ESCONDERIJOS: Com tanta coisa que você já fez nestes mais de 30 anos de carreira, já tinha feito uma animação nos moldes do curta João, o Galo Desregulado?

Hélio Ziskind: Já tinha feito gravação com animação (como ao do Ratinho Tomando Banho), mas nunca como história. Foi a minha filha que me levou até o Alexandre e a Camila, e vimos que tínhamos muitas ideias em comum.

ESCONDERIJOS: Quanto tempo demorou para gravar e acertar tudo?

HZ: Acredito que uns três meses. Foi tudo baseado no livro (lançado pela Ed. Escrita Fina em 2013), mas a gente foi também criando junto. Conforme a música precisasse, eles iam adaptando as cenas. Foi um processo muito liso, muito bom.

ESCONDERIJOS: E a repercussão?

HZ: Olha, quem estava envolvido com a história real adorou (Camila, a autora, conta que conheceu de verdade o galo), mas as crianças que assistiram no cinema bateram palmas a animação toda. A narrativa ritmada funcionou demais. Para mim o que teve mais valor foi a relação com o Alexandre e a Camila, a gente ficou muito animado e estamos fazendo outras coisas juntos.

ESCONDERIJOS: E pode contar?

HZ: Estamos fazendo pequenas animações com canções minhas já conhecidas. A ideia é ir colocando em um canal no Youtube e depois, conforme for, juntar em um DVD.

ESCONDERIJOS: Pode citar alguma canção que vocês já estão trabalhando?

HZ: Sim. Vitamina de Tutti-Frutti e Nos Dias Quentes de Verão.

ESCONDERIJOS: E qual é o tipo de animação?

HZ: Só posso dizer que estamos fazendo… (risos). É que ainda estamos realmente experimentando. É bem experimental mesmo.

ESCONDERIJOS: E que maravilha ainda poder experimentar, não?

HZ: A minha alegria de fato é estar trabalhando com criação. E eu acho que a gente precisa mesmo experimentar e ver o que realmente gostamos de fazer. Poxa, cantar em cima de uma animação! Eu estou achando tudo muito legal.

ESCONDERIJOS: Está se divertindo…

HZ: Sem dúvida. Olha, isso tudo acontece na minha fase de cantar eu mesmo o repertório do Cocoricó. Então lancei a Coleção Có-có-coral, com mais de 90 faixas de canções do programa, interpretadas por mim. Se você me perguntar onde estou hoje é justamente na fase de ajuntar tudo. Consegui reunir meu trabalho, remasterizando, encarte com as letras, unindo tudo que estava de alguma forma disperso. E aí vai também se unir à ideia de lançar meu site em março e o canal no youtube.

ESCONDERIJOS: E como é acontecer tudo isso justamente na mesma época em que foi anunciado o final das gravações do Cocoricó?

HZ: Olha, o que tem de mais triste nisso tudo é que a TV Cultura tem momentos de euforia e depressão. E isso é muito cruel com quem está criando lá dentro. Essa coisa espasmódica… poxa, depois que você consegue montar uma equipe como esta do Cocoricó não é preciso muito mais para ter sucesso. O que é mais fraco na TV Cultura é eles terem tão pouco conhecimento do que se faz na criação. E é incompreensível esta autodestruição do departamento infantil. Como é possível um programa como o Cocoricó não ser um sucesso comercial?

ESCONDERIJOS: É muito triste mesmo. Voltando para 2014, entre estas animações haverá alguma canção inédita?

HZ: Ainda não. Por enquanto, tenho outros trabalhos inéditos. Tenho um com o Ivan Rocha que é uma animação em stop motion que estamos fazendo a trilha sonora e as canções. É a história de uma traça que está dividida entre ler e comer os livros. O roteiro é da minha filha, Carolina, e a produção é de uma turma de São Carlos (SP), a Rocambole Produções. A ideia é que fique pronta em 2015. Mas também estou fazendo a história do Patinho Feio, do Hans Christian Andersen. Recontando, com narração e canções. Para lançar em 2014. É uma ideia antiga, que lembra mesmo a coleção Disquinho e bem na contramão do que se faz hoje: só o Patinho Feio, na versão do Andersen mesmo, já são uns 40 minutos só de leitura. Hoje é tudo muito curto demais.

ESCONDERIJOS: E a ideia é somente ter clássicos?

HZ: Não, estamos pensando também em histórias contemporâneas. Por exemplo falar da vida no Polo Sul, abordar o lado científico, a vida por lá.

ESCONDERIJOS: E, pensando em tudo que você já fez e ainda vai fazer, o que é uma boa música para criança?

HZ: Acho que a pergunta não é essa. Certamente a relação com a criança existe, mas tem mais a ver com o como atrair a atenção dela. A diferença entre compor para criança é esta: não tem sentido você estar só em si mesmo e a criança estar ligada em outra coisa. O artista que compõe para criança não tem o benefício da solidão, como quando você vê o João Gilberto só em si mesmo… Claro que há momentos assim, mas você precisa construir algo que chame a atenção da criança.

ESCONDERIJOS: E nesta onda do politicamente correto, há limites para compor para crianças?

HZ: Na história do Patinho Feio, por exemplo, a gente percebe que as versões foram tirando as partes mais sofridas da história. E queremos colocar de volta. Por que queremos que a criança sofra? Não, não é isso. Mas as histórias são ferramentas importantes para ela.

ESCONDERIJOS: E hoje há um excesso de segmentação em tudo, não?

HZ: Olha, não me considero um artista “para crianças”. Uma vez vi o Maurice Sendak (autor de clássicos mundiais para crianças como Onde Vivem os Monstros) dizendo que estava grudado na criança. Eu não estou. O CD do São Paulo foi bem adulto, provou que eu poderia. Na verdade, esta passagem de canções para criança e para adultos deveria ser mais tranquila. Poxa, a famosa coleção Disquinho era feita por Radamés Gnatalli, que arranjava os grandes artistas, e João de Barro fazia as letras e também compunha Carinhoso e marchinhas de Carnaval. Era tudo vivido junto e assim deveria ser.

Para ouvir e assistir:

A Noite no Castelo

Anúncio Johnson’s

Ratinho Tomando Banho

E, para completar, o super hit do Cocoricó, na versão do DVD Show no Paiol, um GRANDE sucesso aqui em casa! Clarice delira.

Mary Poppins

marypoppinscenaQuando eu era criança, sempre que uma bolsa estivesse cheia demais ouvia minha mãe ou minha irmã brincarem: “nossa, está parecendo a bolsa a Mary Poppins!”. Eu adorava a imagem que se criava na minha cabeça quando elas iam contando os detalhes do filme e minha mãe destilava sua paixão pela atriz Julie Andrews, que vive a protagonista que dá o nome ao clássico da Disney. Uma bolsa em que tudo cabia? Um guarda-chuva voador? Um limpador de chaminé que cantava e dançava como poucos (e aí minha mãe suspirava por Dick Van Dyke, que interpretava o personagem)? Uma babá que tinha todas as soluções, que era… que era… “praticamente perfeita”? Fora uma animação divertidíssima com um número acompanhado de… pinguins!

O meu amor pelos musicais vem totalmente da minha mãe. E Mary Poppins unia tudo que ela mais amava no cinema: música e sonho, música e nonsense (não foi nem um pouco difícil para a minha irmã e eu chorarmos ao assistirmos ao musical na Broadway, imaginem). Eis a maravilha deste filme, unindo tudo isso, mostrando para nós uma parte da obra da australiana P. L. Travers, que vendeu os direitos autorais da personagem Mary Poppins a Walt Disney após 20 anos de forte insistência dele, história do filme a ser lançado aqui em março Walt Disney Nos Bastidores de Mary Poppins, com Tom Hanks e Emma Thompson. Veja o trailer aqui:

Voltando ao filme de 1964, em Mary Poppins a família Banks tem muitos afazeres do dia a dia e pouquíssimo tempo para dar atenção aos filhos da casa, que aprontam o que podem e o que não podem com as babás. Um dia, no desejo de ter alguém especial em casa, chega Mary Poppins com uma aparência de que tudo seria mais fácil para os pequenos mas… mas ela tinha algo muito mais importante para mostrar não só para eles: para os pais também. O filme ganhou 5 Oscars, entre eles o de melhor atriz para Andrews e melhor canção para Chim chim cher-ee.

Veja um trailer da época:

 

Fundamental para seu filho conhecer ao seu lado sequências antológicas como o número de dança na chaminé e um hilário chá da tarde no teto!

 

Mary Poppins, Disney

1964

Os Saltimbancos

SALTIMBANCOSCAPAParece óbvio indicar o CD Os Saltimbancos para crianças. Mas não é. Tem gente que esquece, abandona na memória de infância. O meu nunca saiu de mim. Ouvia o disco em casa com minha mãe e meus irmãos – adorava demais porque este era o “meu” Chico Buarque da casa – e quando lançou em CD comprei um, ainda com vinte e poucos anos. O tempo passou e agora ele volta para o destaque na decoração da sala para as primeiras ouvidas da minha filha. Eu ainda sei quase tudo de cor.

Lançado em 1977, o disco é um musical para crianças, adaptação de Chico para as canções de Sérgio Bardotti e Luís Enríquez Bacalov, inspirado no conto Os Músicos de Bremen, dos Irmãos Grimm, em que quatro animais procuram uma vida melhor na cidade, longe da exploração dos humanos. É uma das peças de teatro mais remontadas para o público infantil no Brasil e, na versão do disco, os quatro animais são interpretados por feras da nossa música: Magro (do grupo MPB4), é o questionador jumento que inicia a história e a jornada da turma em busca de ganhar a vida com a música; Ruy Faria (também do quarteto MPB4) vive o submisso cachorro; Miúcha é a cautelosa galinha e Nara Leão interpreta a gata, sorrateira e um tanto folgada. Nas canções, arranjos em diversos ritmos, alternando momentos de humor, ternura e até fortes tensões (há trechos que até hoje me lembro do medo que sentia!), que deveriam ser parâmetros para a guerra iniciada pelo politicamente correto.

Este vídeo é demais. Parte da série de DVDs com entrevistas com Chico (este é Saltimbancos), Chico encontra o músico italiano Sérgio Bardotti (falecido em 2007) na Itália e o próprio diz que a tradução é melhor do que o original! Chico desconversa e lembra que na época que ele conheceu a peça, a Itália produzia bastante coisa para crianças. Mas Bardotti conta que isso também teve uma ‘mãozinha’ brasileira, pois eles queriam que as canções para crianças fossem além das compostas pelos frases e pegasse mais “o espírito um pouco louco das crianças”. Ele diz que a refundação da canção infantil na Itália se inspira em A Casa, de Vinicius de Moraes, ou La Casa, na versão do disco La Vita, Amico, É L arte Del Incontro, um disco só com poesias gravado em 1969 na Itália – canção, aliás, composta em parceria com Bardotti. E, assim, ele conta que A Arca de Noé (disco para crianças do poeta lançado em 1980) nasceu na Itália. Ele conta que ainda que tenham regravado as canções com astro como Lucio Dalla, na Itália o disco não fez tanto sucesso. Chico emenda “E no Brasil, não se sabe porquê, é muito popular até hoje”.

No decorrer do vídeo, Chico afirma que “a música infantil é mais música do que letra. A criança transforma as letras. Criança entende outras coisas e gosta mais por causa da sonoridade do que pela letra que está ali”. Para nossa sorte, Os Saltimbancos têm muito mais do que “sonoridades” interessantes para as crianças. O texto original já nasce político e aqui, o musical acontece em plena ditadura militar e as letras expõem claramente uma busca por território e, o mais importante: por liberdade. Lutar pela liberdade (nossa e dos outros) é mais do que função de pais para os filhos.

Os Saltimbancos (Polygram)

música de Luiz Enriquez, texto original de Sérgio Bardotti, tradução e adaptação de Chico Buarque

1977

Maçãs Argentinas

macasargentinascapaComo é que a gente começa a sonhar? Bem, se escrevo a palavra “começo”, me vem à mente uma outra palavra, fio. Depois outra: tecer. E assim vai. A gente fica sabendo que uma coisa existe e imagina como é ter ela para si. Ou imagina como ela seria: o tom, o gosto, a satisfação ao adquiri-la. Foi assim com o menino Zeza que tinha o sonho de experimentar vermelhas e inacessíveis maçãs argentinas.

Em Maçãs Argentinas, escrito por Paulo Venturelli e ilustrado por Odilon Moraes, Zeza tinha um jeito especial de olhar o mundo, com um incrível talento para se atentar aos detalhes e questionar as esquisitices dos adultos. Tanta coisa ele não entendia como, por exemplo, a maluca relação que temos com o dinheiro. Reproduzo o pensamento dele:

(…)

Salário! Certamente foi a palavra que mais boicotou minha infância. Uma espécie de ferrugem que toldava aquela fé e orgulho. Na época em que a cidade ia ficando pequena, à medida que eu crescia, a ideia do salário funcionava na consciência como um tipo de mordida a tirar lascas. Um tormento nas mais diversas situações. Toda vez que se queria um sorvete, um álbum de figurinhas, em especial aquele do filme A Dama e o Vagabundo, lá vinha a  palavra martelar nossos ouvidos.

(…)

Eis, então, que o menino tem uma ideia para merecer uma maçã argentina bem suculenta e vermelha. Delícia de conquista, não sei se para ele, mas certamente para o leitor.

MACASARGENTINASDENTRO3pPaulo Venturelli é um destes tecelões de sonhos e este livro é mais uma prova disto. Escritor de Visita à Baleia, um livro candidato a se tornar clássico e um dos Jabutis de 2013, Paulo tem uma maneira de nos levar para a história como quem conduz uma orquestra. A gente sente que cada detalhe está ali por uma razão muito especial (inclusive nós, leitores). Mesmo fazendo textos mais longos, ele pode chegar ao público infantojuvenil sem pressa, sem entulhar os parágrafos de descrições exageradas porque nada é à toa ou em excesso. Para melhorar, Odilon nos oferece uma sequência de aquarelas que vão além do desenho e nos mergulha em uma profundidade vermelha, digna de um desejo (ou de uma mordida). É uma delícia assistir ao desfile de representações das fases da história em franca criatividade. Em uma rica – e boa – conversa com o texto.

Como é que a gente sonha? Com boas memórias, com experiências para compartilhar, com a capacidade de se identificar, de se apropriar de um livro, como se ele pertencesse a você ou você pertencesse a ele. Maçãs Argentinas pode ajudar.

Maçãs Argentinas (Ed. Positivo)

textos: Paulo Venturelli

Ilustrações: Odilon Moraes

2013

palpite: para crianças de 7 a 100 anos

Uma dupla, três livros, muita diversão

TRILOGIA DO RETRATO, ILAN BRENMAN E RENATO MORICONISou capaz de lembrar muito bem da primeira vez que peguei nas mãos o livro Telefone Sem Fio (Ed. Companhia das Letrinhas, 2010), criado pelos artistas Ilan Brenman e Renato Moriconi.

TELEFONESEMFIO

Qualquer apaixonado por livros infantis adora a possibilidade dos tamanhos variados e pegar um livro, brasileiro, com 27 por 36 cm, é um deleite. Quando abri, a surpresa foi ainda melhor: uma série de personagens conhecidos sucessivamente cochichando algo no ouvido um do outro. Não existe uma única palavra escrita e, sim, uma sequência de retratos, altamente expressivos. A clássica brincadeira, que sempre dá uma bela confusão entre os jogadores, virou uma deliciosa leitura, para todas as idades.

BOCEJODENTROpPouco mais de ano depois, chega Bocejo, mesmo formato, mesma série de retratos. Mas, como o nome mesmo insinua, uma das reações mais naturais de nosso corpo comanda a ligação entre as ilustrações, todas acompanhadas da onomatopéia clássica, o que só ajuda o leitor aaaah, oooohhhhhh…, bocejar junto.

CARAS ANIMALESCASA trilogia se finda com Caras Animalescas (2013) em que a sequência de retratos vem acompanha agora com frases. Mas não são frases à toa: elas dão o tom do humor proposto nas imagens, comparando pessoas a animais em rimas divertidas, daquelas gostosas de decorar. Cochicho, ruídos, palavras: e assim Ilan e Renato nos oferecem uma trilogia de semelhanças e diferenças em que o mais importante é o brincar, um dos prazeres da leitura.

Ilan e Renato também aparecem no livro com seus retratos
Ilan e Renato também aparecem no livro com seus retratos

Conversei com os autores para contar aqui os bastidores deste trabalho que está se tornando um marco da nossa literatura infantil.

ESCONDERIJOS DO TEMPO: Olá, Ilan, Olá, Renato! Vocês poderiam retomar o começo da trilogia e nos contar como ela nasceu? Desde o início a ideia era ter três livros?

Ilan Brenman: O primeiro livro nasceu de um fato ocorrido há alguns anos dentro de um restaurante, estavam amigos e filhos numa grande mesa, bagunça total! Resolvi propor uma brincadeira: Telefone Sem Fio. Sucesso e calma absoluta. Voltei para casa e comecei a rabiscar uma história de um telefone sem fio numa mesa, personagens etc. Eu escrevia em uma semana e apagava na outra, passei assim um bom tempo até que, Eureka!, percebi que Telefone Sem Fio não poderia ter texto, é tudo cochicho. Comecei a pensar em um roteiro para mostrar para um ilustrador, seria uma experiência totalmente nova para mim, um autor que não desenha fazendo um livro de imagens, doido! Comecei a pensar nessa relação de roteiro e filme, diretores e atores, compositores musicais, regentes e músicos. Seria um trabalho de co-autoria, precisava de alguém bem próximo para realizar essa maluquice. O primeiro ilustrador que busquei não topou a brincadeira. Foi aí que liguei para o Renato, já havíamos trabalhado juntos, ele topou na hora. A partir desse momento duas cabeças e quatro mãos começaram a pensar no livro. Quero contar que foi o Renato que mudou minha ideia original da mesa para os retratos, mudança melhor não poderia ter existido.

Renato Moriconi: O Ilan tinha em mente personagens malucos cochichando coisas no ouvido uns dos outros, mas disse que palavras não lhe viam à mente, portanto queria criar um livro de imagem comigo, do zero. Adorei a ideia e o desafio! Um tempo depois dessa conversa, olhando um de meus fascículos da coleção Gênios da Pintura, me deparei com os retratos do casal Sforza, do pintor Piero Della Francesca, um díptico em que os retratados parecem cochichar algo. “Eis o livro!”, pensei. Sendo Piero um artista do século XV, época de reis, rainhas e castelos, quem deveria começar a brincadeira seria o bufão. A partir desse personagem brincalhão, vieram os outros. O formato e a técnica são também inspirados por essa experiência. O livro tem a mesma medida desses fascículos que mencionei acima e a técnica de finalização das imagens – pintura a óleo – foi utilizada por Piero Della Francesca. O primeiro boneco (protótipo do livro) que tínhamos apresentado para a editora era do livro Bocejo. Ele estava com alguns problemas pra viabilizar sua execução na gráfica; tinha pensado pra ele uma folha única, cheia de dobras, simulando um mapa. Mesmo sendo em formato de mapa, toda a ação do livro acontecia no plano do retrato. Não era um livro em que eu precisaria, por exemplo, mostrar as pernas dos personagens. O foco era o rosto. Por volta dessa mesma época, o Ilan me apresentou o texto de Caras Animalescas, que também tem toda a força da imagem no rosto. Então conversamos e decidimos unir os três projetos no mesmo formato do Telefone Sem Fio. Desse processo nasceu a trilogia do retrato.

ESCONDERIJOS: De Telefone Sem Fio para Bocejo e de Bocejo para Caras Animalescas, como foram as transições?

Ilan: Quando o Telefone ficou pronto e a repercussão positiva em relação ao livro começou, decidimos pensar juntos na continuação. Bocejo era um livro que no seu início foi projeto solo, que acabou não acontecendo por questões técnicas de engenharia de papel. Por que, então, não fazer uma trilogia? Pegamos o Bocejo e o Caras Animalescas (que já estava escrito desde o começo do projeto) e transformamos numa trilogia. O que uniria os três livros? Os retratos em pintura, o formato do livro e o caminho da linguagem. Ou seja: do silêncio do Telefone Sem Fio para as onomatopéias do Bocejo, até chegar nas frases do Caras Animalescas. Do silêncio à voz.

ESCONDERIJOS: Vocês estão tristes com o último capítulo de A Trilogia do Retrato? Qual é a sensação com esse ciclo fechado?

Ilan: Estamos muito felizes com o resultado, principalmente porque os leitores de todas as idades estão adorando os livros. O Caras Animalescas está provocando gargalhadas em escolas e livrarias, isso é demais!

ESCONDERIJOS: O que ficou para vocês desta experiência, seja como criadores (cada um em suas habilidades particulares), seja como leitores, seja como pesquisadores da narrativa, seja até mesmo em relação ao retorno dos leitores?

Renato: Uma das grandes alegrias que essa série me proporcionou foi poder expor alguns de meus diálogos com a tradição da pintura, que é uma arte que amo tanto quanto a arte do livro.

Ilan: Acredito que fizemos um trabalho maravilhoso, diferente. Não podemos deixar de falar da editora Companhia das Letras que nos deu todas as condições para fazer de cada livro uma pura obra de arte e fruição.

 

Frritt-Flacc

FRITTFLACCCAPApFrritt!… é o vento que ruge, desgovernado. Flacc!… é a chuva que cai, em torrentes. Esse vendaval ruidoso curva as árvores de toda a costa volsiniana e se lança contra as encostas da montanha de Crimma.

(…)
Que honra começar esse post com frases do francês Júlio Verne, o grande contador de aventuras da história da humanidade. Mas Frritt-Flacc (Ed. Pulo do Gato), não é como os romances que o tornaram célebre. É um incrível conto infantojuvenil fantástico, daqueles que dão frio na barriga e, principalmente, aquele suspiro diante do final de uma boa leitura.

FRITTFLACCDENTROp

Ele narra a história de um povoado que vive entre um mar de ondas gigantes e um vulcão em atividade – “durante o dia, a fúria interior de vulcão se espalha sob a forma de vapores sulfurosos. À noite, a cada minuto, vomita suas labaredas.” – em um lugar que até o narrador não sabe dizer onde fica. Mas não é isso que assusta mais os moradores. Doutor Trifugas, o médico da cidade era um homem duro, que certamente não sabia o que era compaixão (impossível não se lembrar de Ebenezer Scrooge, de Dickens!). Só atendia se o pagamento viesse antecipado. Um dia, uma jovem garota bate à sua porta e é aí que tudo começa.
Lançado em 2012, nunca havia tido uma edição brasileira. A Pulo do Gato o fez com maestria, exibindo um projeto gráfico cuidadoso e sem medo de ser sombrio – e, por isso, belo demais – , bem no clima da história. Para tanto, as ilustrações do artista plástico paulistano Alexandre Camanho foram na medida da fábula, que trata de temas universais como a morte, a ganância, a solidariedade e a solidão. De arrepiar.

Frritt-Flacc (Ed. Pulo do Gato)
textos: Julio Verne
ilustrações: Alexandre Camanho
2012
palpite: para crianças de 7 a 100 anos

Eloísa e os Bichos

ELOISAEOSBICHOSCAPA“Eu não sou daqui. Chegamos numa tarde quando eu era bem pequena.
Enquanto papai procurava trabalho, eu ia para a escola e me sentia um bicho estranho. “(…)
Assim começa o incrível Eloísa e os Bichos (Ed. Pulo do Gato), textos do colombiano Jairo Buitrago e ilustrações de Rafael Yockteng, peruano mas que também mora na Colômbia, celeiro de grandes artistas na literatura infantil. Por este trecho já dá para notar que se trata de uma história dos desafios de estar em um novo lugar.
Eloísa e os Bichos
Eloísa é a protagonista e o que vemos desde a capa é ela e o pai na companhia de insetos. Dezenas deles. Dos mais feiões mesmo. Eu, como tenho uma certa fobia, fui tomada de cara pelo livro. É ela conta como se sente na nova vida diante destes companheiros, o que faz do livro um exemplo definitivo do bom casamento entre texto e imagem. Não há quem não tenha se sentindo como Eloísa alguma vez na vida e, sabemos, as crianças podem sentir-se assim todos os dias. Afinal, quem está imune a novidades? E quem não quer ajuda para superá-las?
Eloísa e os Bichos (Ed. Pulo do Gato)
textos: Jairo Buitrago
ilustrações: Rafel Yockteng
2013
palpite: para crianças de 4 a 100 anos

Pauleco e Sandreca: animações, criatividade e ótimo conteúdo

Pauleco e SandrecaConheci a Palavra Cantada em 1998, quando trabalhava no Diário Popular e era o lançamento do clássico CD deles Canções Curiosas, o que contém sucessos como Criança Não Trabalha, O Rato e uma das minhas preferidas, O Erê. Mesmo sem filhos (e mesmo com as sobrinhas crescendo), sempre acompanhei até que, em 2005, isso virou uma deliciosa obrigação após eu entrar para a revista Crescer. Pois agora, longe da revista, sou mãe e, como mãe, vivi a surpresa do DVD Pauleco e Sandreca, presente da avó Rose para a Clarice, minha filha.

Que delícia! São 10 clipes somente com animações para músicas de várias fases da carreira da dupla de Paulo Tatit e Sandra Peres. Divertido, amplo e criativo, saído das ilustrações do francês Laurent Cardon (que mora no Brasil desde 1995), tem Menina Moleca, sucesso do CD Pé com Pé; uma singela versão O Leãozinho de Caetano Veloso; Pomar, com desenhos supercriativos e cheios de referência de vocabulário; Bicicleta, transformada em uma história; O Rato, um dos maiores sucessos, aqui com participações de Maria Gadú, Ana Cañas, Wanderléia e Zélia Duncan. Neste trabalho dá para conhecer também canções novas, como a belíssima Músicos e Dançarinos e a Quando Eu Era um Peixinhocom uma letra madura e cativante sobre o tema água, do jeitinho que uma criança merece ouvir.

Embora já tivessem experimentado animações em vídeos anteriormente, a dupla chega ainda mais o tom, atraindo o encanto até dos bem bebês. Inovam mais uma vez e já anunciam o segundo para 2014.

DVD Pauleco e Sandreca

Pauleco e Sandreca (MCD)

Palavra Cantada

2013