Maçãs Argentinas

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macasargentinascapaComo é que a gente começa a sonhar? Bem, se escrevo a palavra “começo”, me vem à mente uma outra palavra, fio. Depois outra: tecer. E assim vai. A gente fica sabendo que uma coisa existe e imagina como é ter ela para si. Ou imagina como ela seria: o tom, o gosto, a satisfação ao adquiri-la. Foi assim com o menino Zeza que tinha o sonho de experimentar vermelhas e inacessíveis maçãs argentinas.

Em Maçãs Argentinas, escrito por Paulo Venturelli e ilustrado por Odilon Moraes, Zeza tinha um jeito especial de olhar o mundo, com um incrível talento para se atentar aos detalhes e questionar as esquisitices dos adultos. Tanta coisa ele não entendia como, por exemplo, a maluca relação que temos com o dinheiro. Reproduzo o pensamento dele:

(…)

Salário! Certamente foi a palavra que mais boicotou minha infância. Uma espécie de ferrugem que toldava aquela fé e orgulho. Na época em que a cidade ia ficando pequena, à medida que eu crescia, a ideia do salário funcionava na consciência como um tipo de mordida a tirar lascas. Um tormento nas mais diversas situações. Toda vez que se queria um sorvete, um álbum de figurinhas, em especial aquele do filme A Dama e o Vagabundo, lá vinha a  palavra martelar nossos ouvidos.

(…)

Eis, então, que o menino tem uma ideia para merecer uma maçã argentina bem suculenta e vermelha. Delícia de conquista, não sei se para ele, mas certamente para o leitor.

MACASARGENTINASDENTRO3pPaulo Venturelli é um destes tecelões de sonhos e este livro é mais uma prova disto. Escritor de Visita à Baleia, um livro candidato a se tornar clássico e um dos Jabutis de 2013, Paulo tem uma maneira de nos levar para a história como quem conduz uma orquestra. A gente sente que cada detalhe está ali por uma razão muito especial (inclusive nós, leitores). Mesmo fazendo textos mais longos, ele pode chegar ao público infantojuvenil sem pressa, sem entulhar os parágrafos de descrições exageradas porque nada é à toa ou em excesso. Para melhorar, Odilon nos oferece uma sequência de aquarelas que vão além do desenho e nos mergulha em uma profundidade vermelha, digna de um desejo (ou de uma mordida). É uma delícia assistir ao desfile de representações das fases da história em franca criatividade. Em uma rica – e boa – conversa com o texto.

Como é que a gente sonha? Com boas memórias, com experiências para compartilhar, com a capacidade de se identificar, de se apropriar de um livro, como se ele pertencesse a você ou você pertencesse a ele. Maçãs Argentinas pode ajudar.

Maçãs Argentinas (Ed. Positivo)

textos: Paulo Venturelli

Ilustrações: Odilon Moraes

2013

palpite: para crianças de 7 a 100 anos

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