INCENTIVAR A LER LITERATURA? VOCÊ PRECISA CONHECER AIDAN CHAMBERS!

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DIGA-ONDE

Editora Cortez traduz para o Brasil, obra famosíssima do pesquisador e premiado autor britânico Aidan Chambers: Diga-me – As Crianças, a Leitura e a Conversa

 

por Cristiane Rogerio

Em setembro passado eu fiz uma desafiante e fabulosa viagem para a Amazônia brasileira. Mais precisamente ao município de Atalaia do Norte, no Amazonas. Fazia parte de um dos projetos do Instituto Omunga, sediado em Santa Catarina, de formação de educadores e incentivo à leitura em cidades sem bibliotecas públicas. Viajei com eles com a missão de realizar oficinas de sensibilização às possíveis relações que podemos ter com a leitura, e como isso pode ser uma forma bonita de fortalecer o vínculo entre aluno/a e professor/a. Se chamava assim: Sobre Beleza e Vínculo: como as histórias, os livros e as leituras podem ser um elo afetivo para o aprender”. A viagem foi do dia 23 de setembro a 3 de outubro e logo no começo do mês eu já tinha tudo planejado com a equipe. A oficina seria, digamos, “a minha parte”, mas toda a viagem é de todo mundo: do planejamento geral à execução dos detalhes, estamos como equipe todos juntos. 

Eu já tinha ido uma vez à Amazônia, só que para o estado do Amapá, no projeto Bebês do Brasil, do qual fiz parte e a equipe e eu lançamos até um livro com a revista Crescer. Mas desta vez, era levar o que eu já tinha estudado na vida sobre livros, mediação de leitura e infância para um local que eu não fazia ideia de como seria. Com pessoas que tinham uma expectativa de conversa. E com as quais eu desejava conversar muito. Mesmo com o cuidado de a equipe do Omunga me passar todo o tipo de informação, o frio na barriga era gigante. E a ansiedade também.

Havia já alguns livros definidos para levar para lá, detalhes que eu contarei em outro texto. Mas dias antes de embarcar, chegou a mim o primeiro exemplar Onde Vivem os Monstros, de Maurice Sendak, agora editado pela Companhia das Letrinhas. Esta era a novidade do momento: Sendak, completamente fora de catálogo desde 2015 após a extinção da editora Cosac Naify, voltaria agora às estantes brasileiras, juto a Lá Fora Logo Ali e Na Cozinha Noturna. À época eu também cuidava de outro projeto: um ciclo de estudos focado na vida e obra de Maurice Sendak, o autor estadunidense falecido e 2012. Aconteceria logo em seguida ao meu retorno para São Paulo, tudo ao lado da minha amiga pesquisadora Clara Gavilan, e uma parceria A Casa Tombada e Companhia das Letrinhas (veja que reportagem linda fizeram aqui).! Com ele em mãos, pensei: tenho que levar esse livro para Atalaia. Mas será que faz sentido ou esse alvoroço todo é só aqui da nossa bolha Rio-São Paulo? Talvez possa me ajudar a pensar sobre o curso, sentir o que este livro tem a nos dizer neste momento. 

Separei para levar. 

Na mesma semana, outro livro chega por aqui: Diga-me – As Crianças, a Leitura e a Conversa, do pesquisador e premiado autor britânico Aidan Chambers, editado no Brasil pela Editora Cortez. Um livro que eu ainda não havia lido mas sabia da sua ótima fama. Tenho uma memória muito boa deste autor de palestra a que assisti em São Paulo, em um dos seminários o “Conversas ao Pé da Página”, parceria entre o Sesc e o Instituto Emília, em 2014. E, por isso, comecei a ler imediatamente, junto aos corres da vida. Aonde eu ia, ele ia comigo. 

Logo de cara, já fui grifando: era o texto de Juliana Chieregato Pedro, do grupo Lecturi (UFU-MG), envolvido no projeto. 

DIGA-PREFACIO

“Encontrarmos fragmentos de nós mesmos”, ela diz. E  na introdução diz: “Nossa era é a da conversa. Nunca se falou tato”. Que é que não anda angustiado com isso? E ele traz a grande contradição da educação no momento: estimulamos que crianças e jovens se expressem, mas não sabemos ouvi-los. “Nos dias atuais, todos somos julgados pelo quanto somos articulados – Não que falemos melhor ou ouçamos com mais cuidado do que pessoas e tempos menos voláteis”, continua Chambers. 

E então ele começa a falar sobre o que seria o livro que temos em mãos: “‘Diga-me’ foi feito para ajudar crianças a falar bem (o que quero dizer com ‘bem’ ficará mais aparente, assim espero, ao longo do caminho), e falar bem não apenas sobre livros, as sobre qualquer texto, desde signos de uma só palavra até a escrita que chamamos de literatura, gênero textual o qual me concentrarei.” (…) “Ao ajudar crianças a falar sobre suas leituras. nós as ajudamos a se articularem sobre todos os assuntos de suas vida.”

Será?

Será que isso acontece somente com as crianças?

E aí chega a parte em que eu sou facilmente conquistada: “Pela minha experiência, posso afirmar que a melhor forma é começar por nós mesmos, como leitores e falantes. Estive uma vez e um pequeno grupo de professores que objetivava melhorar nosso ensino de crianças como leitoras, quando descobrimos o quão importante é a conversa nesse processo. Disso, desenvolveu-se o que se tornou conhecido como o enfoque ‘Diga-me’. Por favor, note: um enfoque – não um método, não um sistema, não um programa esquemático. Não se trata de um rígido conjunto de regras, mas, simplesmente, de um modo de perguntar questões particulares que cada um de nós pode adaptar para melhor combinar com nossa personalidade e as necessidades de nossos estudantes.”

É isso. 

Se ele propõe a conversa, ele, então, conversa com o leitor deste livro. E conversamos com ele o livro todo. Pois ele considera o estudante e aquele ou aquela que educa ou faz a mediação do livro como autônomos! E isso muda tudo. 

Que companheiro bom!

Meu livro está todo marcado:

 

DIGACAPA

DIGA-3233

Fui grifando vários “simplesmentes” de Chambers. Principalmente os que traziam à mente imagens belíssimas, como rodas de crianças de várias idades lendo livros juntas, ou de educadores questionando certezas sobre processos de incentivo e aquisição de leitura literária.

“A motivação privada aqui é o desejo de se engajar a conversa literária pela própria atividade, pois aprendemos não apenas que ‘falar juntos’ produz uma interpretação dos segmentos de compreensão, que podemos oferecer individualmente, mas também que a conversa em si, muitas vezes, gera novos entendimentos, alargamentos de apreciações, que ninguém, até então, poderia ter articulado sozinho. A sensação é de decolagem, de voo para o, até então, desconhecido: a experiência da revelação”.

 

Experiências coletivas! O coletivo como potência – bem como amei escrever na minha dissertação de mestrado O Livro Para a Infância: coletivos e potência para a pesquisa (IA-UNESP)

Eu pensava que este estudo, este livro e Chambers me ajudariam a contextualizar o que eu estava prestes a fazer o encontro com os educadores de Atalaia, provocar-me mais nas conversas com eles. Até que fui me dando conta de que Maurice Sendak estava ali citado diversas vezes. E especialmente o depoimento de uma professora me tocou muito. Eileen Langley dava aulas em uma classe de educação infantil de crianças de 5 anos. Até aquele ponto, quando ela decidiu fazer sua primeira experiência depois de acessar o Diga-me. Nunca se esperou que as crianças falassem sobre sua leitura, a não ser informalmente. E esta educadora narra ali para onde as crianças “voaram” lendo juntos e sendo questionadas sobre o que leram. A gente sabe que há muita resistência nisso. E arrisco dizer – sem dar tempo aqui de me aprofundar a questão – que o julgamento sem cuidado ou com falta de contexto do ensino da literatura nas escolas esteja por trás disto. Onde vivem os monstros era o livro da vez. 

DIGA-PROFESSORA

Esta dupla de páginas é das minhas preferidas. Há maravilhas de frases de crianças sobre esta história que Sendak publicou em 1963 sobre um menino que mergulha e um único encontro com “coisas selvagens (como diz o título original)” após brigar com a mãe e ser mandado pra cama de castigo sem jantar. 

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No depoimento dela, são três etapas, podemos dizer:

DIANTE DA CAPA, as crianças dizem: 

“Um livro de monstro” 

“Olha como monstro é grande”

“Ele é grande demais para ir aquele barco”

“Esse monstro tem pés iguais aos nossos”

“É uma história sobre um barco?”

NA LEITURA, comentam:

“Quando mostrei a eles a página interna do título, Philip apontou que havia uma mamãe monstro e um papai monstro”

“Outra criança me informou que o monstro mamãe era o que não tinha chifres. O fato de as crianças não terem medo confirma a percepção de Sendak sobre as mentes delas”

“As páginas onde havia festa eram as favoritas. Lisa falou que os monstros estavam em uma discoteca”. 

APÓS A LEITURA, refletem:

“Algumas crianças decidiram que o que as intrigara foi Max velejar um barco tão pequeno através do oceano. Outras não conseguiram entender por que ele não ficou e continuou sendo o rei dos monstros. Alan ficou intrigado pelos monstros por causa de seus cabelos estranhos. James interrompeu: “Eles podem não ser de verdade”. Eu perguntei se ele achava que era de verdade. “Não” ele respondeu com firmeza. 

PROFESSORA: Você acha que o Max é verdadeiro?

JAMES: Sim, mas os monstros não são. 

PROFESSORA: Como pode ser?

JAMES: Max inventou os monstros.”

Certeza de que situações de alguma forma parecidas com estas acontecem em centenas de salas de aula. A diferença aqui é associar isso a um planejamento pedagógico e, ao mesmo tempo, à conversa. É preciso que a gente se lembre de que a literatura e a conversa podem caminhar lado a lado. Em qualquer lugar – até nos processos acadêmicos – com pessoas de qualquer idade.

Fui ao meu caderno e, logo abaixo do nome dele, escrevi: “Fofo! Divertido! Ah, esse humor inglês!”. Leio mais aqui nas anotações, que ele contou que começou a ler somente aos 9 anos de idade, e que, da fábula de Esopo da Tartaruga e a Lebre, ele é a tartaruga. É das histórias com a qual mais se identifica. Fala comovidamente sobre a voz da professora lendo ressoando em seus ouvidos e quando ele descobre o que é uma biblioteca. 

foto retirada do site emilia.org.br
foto retirada do site emilia.org.br

E mais estas notas:

 

A literatura = reconhecimento, identificação

Até achar uma obra que exerça tamanha influência sobre nós não descobrimos a leitura. 

Educação é isso. Se não damos valor ao livro, jamais poderemos ensinar. 

 

DIGA-CRIS-ATALAIA

Lembrei desta foto feita pela minha companheira de viagem, Marina Pedrosa Poladian. 

Os livros só abrem-nos.



Diga-Me – As Crianças, a Leitura e a Conversa 

Aidan Chambers, 2023

Editora Cortez

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