“LITERATURA DE BERÇO” PROMOVE AMBIENTE LITERÁRIO PARA ADULTOS E BEBÊS

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ENTREVISTA: CÁSSIA MARIA BITTENS

Para onde vai a leitura quando uma família está próxima de ganhar um bebê? Há muito o que se aprender, resgatar, refletir… e, claro, às vezes há coisas demais. Tantas que o nosso tempo fica confuso e, quando vemos, nos desligamos do que somos para nos entregarmos inteiramente à grande novidade. A psicóloga Cássia Maria Bittens passou por isso e viu que a leitura literária foi afastada de seu dia a a dia e pensou: será que isso não acontece com outras mães também? E é aí que nasce o Literatura de Berço, encontros que acontecem em São Paulo com o intuito de resgatar a conversa sobre literatura entre adultos envolvidos na dedicação a um bebê e que, ao mesmo tempo, acaba criando um ambiente literário para que os pequenos já se sintam “em casa”.

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Assisti a um dos encontros e uma coisa me impressionou: as famílias eram diferentes entre si. Em tempos de tantas rusgas e julgamentos, é lindo ver que um projeto reúna várias “tribos”.

Conversamos um pouco para apresentar aqui no Esconderijos do Tempo o projeto, como se realizam os encontros e por que é preciso que a gente compartilhe esta iniciativa. O próximo encontro será com a querida Lúcia Hiratsuka (veja uma entrevista com ela aqui).

ESCONDERIJOS DO TEMPO: Para começar, me fale um pouco sobre você, sua experiência que une maternidade e leitura, etc.

CÁSSIA MARIA BITTENS: Meus pais e avós são grandes leitores, cada um à sua maneira, mas sempre se beneficiando da leitura. Mais que leitores, meus dois avôs foram grandes contadores de causos. Recentemente minha mãe relatou que sente saudades das rodas de contação que meu avô organizava uma vez por mês na fazenda na qual ele trabalhava. Cresci rodeada de alguns livros, não muitos, mas clássicos como a Coleção do Monteiro Lobato e outros mais antigos que meu pai leu quando criança como, por exemplo, Robinson Crusoé e a A volta ao Mundo em 80 dias. Eu sempre li, em algumas fases da vida mais e outras menos, mas sempre tenho um livro me esperando…

Quando fiquei grávida, a minha leitura preferida era sobre a gestação e o desenvolvimento intrauterino do bebê. Com a chegada da Zoé, no meio de tanta leitura específica e direcionada à maternidade, sentia falta de ter um momento só meu e a leitura “informal” prazerosa trouxe este resgate. Daí, eu quis dividir essa experiência com outras mães!

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ESCONDERIJOS: Por que e como nasceu a ideia do Literatura de Berço? Quando deu esse “click” de que era urgente fazer algo?

CÁSSIA: Tornar-se mãe, para mim, é uma experiência individual, portanto, solitária que amplia a nossa existência e relação com a própria vida e também com o outro. O Literatura de Berço surge nesta solidão e desejo de retomar o hábito da leitura como fruição.

Em julho de 2013, criei a oportunidade para o “Mamaço” em celebração a Semana Mundial de Aleitamento Materno ser na Casa das Rosas Espaço Haroldo de Campos e Poesia e Literatura (que é o único centro de poesia público do país). No dia do encontro, já em agosto, participando daquele movimento com tantas mães felizes envolvidas no jardim da Casa das Rosas , pensei “por que não colocar estas mães dentro da Casa unidas pela literatura e leitura?”. E em outubro do mesmo ano tivemos o primeiro Literatura de Berço.

Na época foi um ato intuitivo, partindo da minha própria necessidade. Quase não havia atividades para mães e bebês se divertirem, darem uma pausa para relação (mesmo estando juntos). Hoje afirmo que este é o diferencial do Literatura de Berço e posso explicar dos benefícios emocionais que os encontros propiciam para a díade mãe-bebê. Ler (por prazer) entra na relação como um dos auxiliares da individuação da nova mãe e do bebê, separando os dois mundos mentais, facilitando a compreensão no novo papel “mãe” e consequentemente reforçando o olhar para o bebê como um outro ser.

Outro ponto que devo ressaltar é que não existe bebê leitor sem pais leitores. Eu acredito e transmito a ideia da  importância da leitura para o bebê nos aspectos cognitivos e educacionais desde a gestação, porém se este não for um ato espontâneo, o resultado das estatísticas das Sociedades de Pediatria Americana e Brasileira amplamente divulgado e que temos lido, não será alcançado. Nos encontros me esforço para seduzir os pais a lerem por vontade e não por obrigação.

ESCONDERIJOS: Como você cria os encontros – algo mudou na trajetória?

CÁSSIA: Muita coisa mudou! Desde a idade-limite dos bebês até o tipo de texto apresentado.

Após dois anos de experiência, cheguei num formato que teve boa aceitação. Em quase todos os encontros temos: 1. Abertura, que eu falo da importância da leitura, o que ler para o bebê e apresento o tema/obra e o convidado. 2. Apresentação do tema/obra para a mãe. 3. Atividade relacionada ao tema para os bebês que não necessariamente a leitura. 4. “Chá da tarde” para as mães trocarem figurinhas. A duração é de duas horas e atualmente a idade limite é bebês com no máximo 15 meses e no total de 10 a 15 famílias participantes.

Muitas mães relatam que o contato entre os bebês é benéfico por si só, deixo alguns livros de pano e textura espalhados pela sala e só.

Como você percebeu, o encontro acaba sendo para a família, tendo uma preocupação com a mãe e outra com o bebê mas sempre tentando incluir a leitura para os dois.

Quando conseguir patrocínio para ampliar o projeto, poderei contemplar os 1000 dias do bebê com mais 2 públicos : gestantes e mães com bebês andantes.

Os projetos estão prontos, só falta verba mesmo, pois a demanda existe.

ESCONDERIJOS: Como é a abordagem real da literatura? :eva autores, leva especialistas, lê com a turma de mães e bebês, faz algum apoio como textos no Facebook ou de alguma outra forma…

CÁSSIA: O LDB aborda a literatura de 3 formas: 1. Convido “palestrantes”, normalmente mães, que falam de autores renomados da Língua Portuguesa 2. Convido escritores para falarem da sua obra. 3. Festa Temáticas que além da festa em si, conto a origem da festa e indico bibliografia.

Acho difícil as mães se organizarem para lerem com antecedência um texto então, na divulgação da programação é esclarecido o tema e as mães tem a ideia do que será mas não sabem o que lerão.

Os convidados “palestrantes” são orientados a falarem um pouco sobre a vida do autor e normalmente selecionamos poemas, crônicas ou contos curtos para conseguirmos ler do início ao fim. É um petisco sobre a obra do autor para deixar com vontade de querer conhecer mais no futuro. Um relato bonito que eu tenho de uma mãe foi sobre Machado de Assis, ao final ela disse “Nossa eu só conhecia o Machado de Assis do vestibular, não sabia desse outro lado”.

Já os convidados escritores, selecionam o que acham mais relevante da sua obra.

Em 2015 tivemos o primeiro arraial para bebês, o “Arraial Literatura de Berço”. Foi um sucesso! Além de contar sobre a origem da Festa, tivemos comidas típicas, Sanfona ao vivo, brincadeiras adaptadas aos bebês (pescaria com imãs, jogo de argolas com garrafas grandes e bastidores…) e uma quadrilha. Em junho, será o Segundo Arraial e o 2º Arraial já tem data, hora e local: 29/6 , às 14h30 na Casa da Cultura Carlos e Diva Pinho.

A maioria dos bebês que frequentam o LDB estão em casa com suas mães em tempo integral e acredito que o contato com os outros bebês é um estímulo mais eficiente para o seu desenvolvimento, então na maior parte do encontro, os bebês que já engatinham circulam pela sala, “brincam uns com os outros” e podem manusear os livros de pano e textura que estão espalhados pela sala. Os bebês menores, as mães normalmente oferecem os livros para eles brincarem.

Eu tento criar o ambiente mais acolhedor e descontraído possível, sempre pensando na naturalidade que é ler e se conversar sobre literatura e leitura.

ESCONDERIJOS: Você se torna uma referência para os pais sobre leitura?

CÁSSIA: 2016 tem sido um ano de estudo formal sobre o tema, inclusive acabei de vir da 17ª Semana do bebê de Canela, Rio Grande do Sul, onde apresentei o LDB e troquei experiências enriquecedoras. Preencher o puerpério também com Literatura e Leitura é algo novo e ainda pouco explorado.

ESCONDERIJOS: Quais são as principais dúvidas dos pais sobre a leitura literária desde o berço? Ou as conversas vão também além disso?

CÁSSIA: Todos os pais (inclusive eu) temos o desejo de querer o melhor para os nossos filhos e parece que ser inteligente é uma coisa muito boa pois nós queremos filhos inteligentes! Temos a crença que quanto mais ler mais inteligente o bebê ficará, gerando um consumismo não sustentável e até desnecessário.

A primeira parte do encontro é dedicada a estas dúvidas que normalmente são: o que, qual a frequência e quantidade para ler ao bebê.

Daí vem a parte de desconstrução deste modelo de ler apenas pela aprendizagem e não pelo prazer. Se olharmos a curva do crescimento e as aquisições de um bebê dos 0 aos 2 anos, podemos notar o quanto o bebê é um poço de vivências e isso deve estar em primeiro lugar!

ESCONDERIJOS: E para saber mais e acompanhar as atividades, participando ou apoiando o projeto?

CÁSSIA: O Literatura de Berço está com um site novo, com as informações mais organizadas, convido todos os leitutores do Esconderijos do Tempo a passarem por lá!

Nosso facebook é www.fb.com/ldberco

Em junho, novamente estaremos com a querida Lucia Hiratsuka e o seu novo livro “As cores dos pássaros” na Casa das Rosas, em, São Paulo, dia 08/06 das 14h30 às 16h30. Inscrições pelo telefone (11) 3285-6986

E como já disse acima, o 2º Arraial Literatura de Berço dia 29/6 às 14h30 na Casa da Cultura Carlos e Diva Pinho. As inscrições pelo telefone (11) 3862-1925.

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