Literatura Infantojuvenil, 10ª Arte?

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SALONLOGO

POR HANNA ARAÚJO *

Quando pensamos num salão do livro infantojuvenil logo imaginamos um enorme lugar com muitos stands de grandes editoras e crianças e adultos num empurra-empurra de sacolas. Filas e filas de leitores em busca de um autógrafo daquele escritor ou ilustrador. Cartazes preconizando os efeitos benéficos do hábito da leitura. Entre os dias 26 de novembro e 1º de dezembro aconteceu na cidade de Montreuil, na periferia de Paris (França), o 30º Salon du Livre et de la Presse Jeunesse, o maior evento sobre literatura infantojuvenil da França.

Neste salão também era possível ver muitos stands e muitas, muitas pessoas. Mas algumas situações me chamaram a atenção e me fizeram refletir sobre este tipo de evento.

O salon era dividido em três andares, sendo dois deles com os stands de venda dos livros e espaços para as mesas-redondas e encontros com os autores e teóricos. O outro andar consistia na exposição Passages, com 300 obras originais de 9 artistas diferentes!  O questionamento que guiou as atividades do salão foi: Literatura Infantojuvenil, 10ª Arte?

Embora as grandes editoras de litterature jeunesse (infantojuvenil) estivessem presentes com seus belos stands, o espaço físico comportava também as médias e pequenas. Embora os stands não fossem do mesmo tamanho, não havia uma discrepância absurda entre eles. Em um deles, em meio a tantos livros franceses eis que encontro com outro título o Cena de Rua, de Angela Lago, no stand da deliciosa editora  Rue du Monde.

SALONHANNALIVROS

 

Para conseguir aquele autógrafo sonhado, normalmente os adultos, adolescentes e crianças ficam muito tempo em filas com seus livros embaixo do braço. Os autógrafos que vi (e pedi) estavam registrados em uma enorme lista em um caderno entregue junto ao programa do evento, sendo que os autores (de textos e imagens) faziam plantão em diferentes editoras, grandes, médias e pequenas.  Além dos autógrafos, os leitores podiam ouvir seus autores (de livros ilustrados e de BD´s, nossos quadrinhos) em diversos encontros em que falavam sobre processo de criação e sobre as histórias por trás das histórias. Esses fartos encontros, muito bem organizados, aconteceram ao longo de todos os dias.  De todas as feiras que já visitei, nunca me senti tão próxima dos autores. Pude conversar com Serge Bloch, Antonin Louchard, Katy Couprie e Sara incrível autora/artista visual francesa ainda desconhecida no mercado editorial brasileiro. (Ei, alguém aí pode publicá-la no Brasil?!) Esta artista, assim como muitos dos que acompanhei, faziam suas signatures nos livros, conversavam sobre as obras.  E a presença dos autores era tão ampla e diversificada que equilibrava as filas, e perto de cada artista ficava apenas um “bolinho de gente”.

SALONSARA

Num desses “bolinhos”, Sara estava curiosa, querendo saber o que as crianças sentiam de suas obras, quais conheciam e, do outro lado, as crianças curiosas querendo ver como ela pensava, desenhava, fazia os livros!

SALONKVETA

E falando em tietar, me meti num outro bolinho de gente para ver a artista tcheca Květa Pacovská (no Brasil, é dela a versão de João e Maria da editora Cosac Naify, já viram?) que, mesmo com 86 anos, participou de diversas sessões de autógrafos inserindo com sua particular tipografia a dedicatória na composição visual do livro!

Enquanto nos deliciávamos, um grupo de professores fizeram um apitaço com faixas dentro do Salão contra a precarização da educação e o trabalho docente. Franceses estão sempre à luta e esse também é um exemplo para nós, não? Achei incrível que um salão como este seja visto como momento para uma reivindicação na educação!

Bem, voltando à feira, a exposição dos originais foi a cereja do bolo do Salon! Organizada em nove espaços expositivos os artistas apresentavam suas obras “para crianças” e “para adultos”, assim, lado a lado.  Estavam as ilustrações do inglês Quentin Blake, que tem muitos livros editados no Brasil, sendo hoje o ilustrador de todos os livros de Roald Dahl. Květa Pacovská, com seu lindo e consistente trabalho plástico. Seguido do belga Carll Cneut (que ilustrou o A fada feiticeira, no Brasil pela Cosac também) e do alemão Wolf Erlbruch, conhecido no Brasil por vários livros, entre eles, O pato, a morte e a tulipa e a incrível Elzbieta, polonesa naturalizada francesa, que publicou no Brasil Para Onde Vão Os Bebês? (Ed. Companhia das Letrinhas).

Ali, na mesma exposição, os franceses Blexbolex, autor de Cantiga (Ed. Cosac), Serge Bloch, ilustrador de Fico à espera (Ed. Cosac), Philippe Corentin autor de Papai! (Ed. Cosac), Jean-François Martin, ilustrador de Fábulas de Esopo (Ed. Companhia das Letrinhas). Ufa!

SALONCRIANCAS

A exposição recebeu milhares de visitantes ao longo dos dias. Grupos de crianças e adolescentes eram recebidos pelos mediadores que apresentavam os artistas e as obras, e liam histórias.  Os visitantes podiam circular pelas obras, assistir vídeos de cada artista sobre o processo de criação e motivações artísticas, e olhar, bem de pertinho, os detalhes de cada imagem. Antes ou depois da visita das obras os visitantes podiam se deliciar com os livros dos artistas num grande ‘útero’ de livros.

Livros assim: bonitos, soltos e em abundância!  Ou como diria Castro Alves: “Livros à mão cheia!”

SALONMICHELE

No último dia do Salon houve também uma Journée Pro, aberta a todos, mas pensado especialmente para os adultos que pensam e mediam os livros e a leitura, sejam bibliotecários, professores, jovens artistas ou pesquisadores. Dentre a intensa grade de programação uma palestra com a antropóloga Michèle Petit (traduzida no Brasil em A Arte de Ler, pela Editora 34) discutindo sua recente obra, Lire le Monde, na qual diz “que não podemos concentrar nossos esforços de leitura com/para crianças pensando que isso os tornará bons leitores no futuro, mas que devemos fazer isso pelo HOJE, pelo presente das crianças, pelas relações poéticas e questionadoras que eles podem tecer com elas ainda na infância!”.  

Em outra mesa com Elzbieta e Květa Pakovsca, sobre a compreensão do objeto livro e seu conteúdo poético.  Elzbieta falou sobre a aproximação entre o olhar da criança e o olhar do artista, de que ambos têm um modo de olhar como se o fizesse pela primeira vez.  Květa Pakovsca falou sobre seu pensamento da arquitetura dos livros: “o livro pra mim é arquitetura, é um objeto de papel. Com ele eu posso mostrar belas cores e belas formas e as crianças podem conhecer a beleza e suas possibilidades.”  Como também a mesa sobre os 25 anos da editora L´Atelier du Poisson Soluble, responsável pela revista Hor[s] Cadre, com os editores Sophie Van der Linden (autora de Para Ler Um Livro Ilustrado, Cosac Naify), Olivier Belhomme e Liliane Cheilan. Esta publicação discute sistematicamente o intercruzamento de linguagens poéticas em suas diversas perspectivas. A partir de um tema a publicação aprofunda a discussão sobre a literatura infanto-juvenil.

Seis intensos dias no Salon du livre et la Presse Jeunesse. Pode um grande salão do livro ser também acolhedor e significativo para cada visitante? Ser um espaço de divulgação e circulação do mercado editorial ao mesmo tempo em que discute formação dos mediadores de leitura e as pesquisas acadêmicas sobre literatura infantil? Este salão nos dá pistas que sim!

 * Hanna Araújo é pedagoga, mestre e doutoranda em artes visuais pela Unicamp. Sua pesquisa atual é sobre processos de criação de narrativas visuais de artistas em interlocução com crianças. Atua como professora de educação infantil na Creche-Pré-Escola Central da Universidade de São Paulo. Em 2014, fez estágio doutoral na Université Paris Ouest Nanterre La Défense, na França.

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