Meus 20 (ops, 16!) anos da Palavra Cantada

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PALAVRACANTADASANDRAPAULO

Assisti essa semana a um show da Palavra Cantada no Clube Atlético Aramaçan, em Santo André, São Paulo. Era o show da turnê que comemora os 20 anos da dupla Sandra Peres e Paulo Tatit, e eu estava animadíssima pois seria o primeiro da minha filha Clarice, de quase 2 anos e meio (ela chegou a ir a um evento com a presença deles anteriormente, mas não aproveitou muito).

E eu achei que seria só isso. Mas não foi.

Bem, eu não ia ao Aramaçan, acredito, desde meus 18, 19 anos. Não sabia muito o que esperar, uma vez que os últimos shows que fui da Palavra foram no HSBC Brasil, com suas mesas que nos apertam e um público a maioria de classe alta e com pouquíssima educação (pais e filhos). Tanto que estava mesmo esperando a Clarice crescer mais um pouco para iniciá-la… Decidi ir a este, porque ela está apaixonada pela “Palacantada”, como fofamente pronuncia o nome da dupla. E foi uma ótima escolha.

Revi ali 16 anos acompanhando a dupla CD a CD, turnê a turnê. Foi gratificante, emocionante, surpreendente. E, talvez, o mais simples show da Palavra Cantada que eu já tenha visto. Revivi as canções que eu ouvia mesmo antes de ser mãe; refleti sobre minha admiração pela ideia de criar a dupla; relembrei das tantas ótimas conversas sobre música que tive com Paulo Tatit ao longo destes anos; e, o melhor: vi minha filha levantar os bracinhos para cima da cabeça, feliz, e dizendo a todo o momento: “é o Paulo!”. A plateia, embora não lotada, estava entregue ao show. Crianças cantando com as famílias, sem corre-corre, empurra-empurra. Com sorriso no rosto e as letras na ponta da língua: eu estava assistindo, em um cantinho de São Paulo, a um show com a essência da Palavra Cantada.

PALAVRADVDCAPABOM

Nos 20 anos de história, a dupla mudou muito. Aconteceu de um tudo: de turnê nos CEUs até jingle de propaganda de leite em pó. De parcerias com Arnaldo Antunes a gravação em comunidades em vários cantos do Brasil. De figurinos inspirados com referências da cultura popular brasileira a perucas coloridas e engraçadas. De canções sobre os desafios do crescimento a homenagens ao Brasil. E muita ode à brincadeira, à fantasia, ao amor. Esta é uma viagem sugerida pelo DVD Para Ficar com Você (MCD), um box com um CD e DVD. O CD faz uma coletânea desta variedade de espaços e tempos. O DVD exibe clipes e traça uma história que passeia pela evolução da qualidade audiovisual de captações e recursos criativos. E tudo isso, claro, evidencia claras – imagino eu – tomadas de decisão: será o nosso trabalho alternativo ou comercial? Pode ser comercial e mesmo assim manter a essência e a qualidade que os diferenciou sempre?

Esta é uma questão profunda na música e, principalmente, em qualquer trabalho para criança. A garantia de qualidade musical de Paulo e Sandra unem classes sociais e atraem todo o tipo de interesse (alternativo ou comercial, por que não?). Mas a história deles a que eu assisti tem muitas diferenças.

PALAVRACAPACANCOESCURIOSAS

Tudo começou em 1998. Estava lá eu, desavisada na redação do Diário Popular (sim, antes de ele se tornar Diário de S.Paulo e, aos poucos, se transformar completamente), quando chega uma pauta do lançamento do novo disco da Palavra Cantada. Eu já havia ouvido falar deles, um tanto por cima confesso, porque tinha sobrinhas crianças. Mas nem imaginava o que viria por ali.

Tratava-se da chegada de Canções Curiosas nas lojas, repleto de participações especiais. Coloquei para ouvir e comecei a investigar o encarte, saber das letras e melodias e quem as compôs (um vício adquirido anos antes que mantenho até hoje). A primeira canção, Pindorama, descrevia de forma muito divertida a descoberta do Brasil, com direito a um menino português exibindo seu sotaque na hora certa. Continuei a passada de olho e de ouvido degustando surpresas como Arnaldo Antunes para Criança Não Trabalha e Cultura, José Miguel Wisnik em Gramática, Suzana Salles em uma engraçadíssima interpretação em O Rato e Carlinhos Brown e Márcio Werneck em Erê. Esta última é até hoje minha canção favorita e, quando entrevistei Paulo Tatit ele me contou que era uma música que Brown guardava na gaveta. Hoje também é uma das preferidas da minha filha Clarice. Tem batida que pulsa no peito, letra nonsense com uma sonoridade rica e deliciosa de cantar.

Não por acaso, depois de quase duas décadas da influência de Xuxa e da um tanto inapropriada axé music povoando o repertório para crianças, eu felicitava ouvir algo que me remetia aos meus discos A Arca de Noé e Os Saltimbancos. Sorte das minhas sobrinhas, que ganharam este e outros CDs da dupla e me acompanharam nos shows.

PALAVRACENAPECOMPE

Sete anos para frente e sete CDs depois lá estava eu ao lado deles novamente. Eu era uma das únicas pessoas que entrava na revista Crescer e já tinha CD da Palavra Cantada em casa, sem ter tido filhos ainda. Não foi difícil eu me inclinar para o espaço dedicado à cultura na revista. No mesmo ano que entrei para a revista, em 2005, Paulo e Sandra lançaram o que é, para mim, uma obra-prima: o CD Pé com Pé, uma viagem pelos ritmos brasileiros, com letras inesquecíveis como a que dá nome ao disco, Bolacha de Água e Sal, Toda Criança Quer e Taquaras. Junto, uma turnê que se transformou em DVD com um primor nos figurinos, luz, apresentações, e o jeito único de conversar com as crianças. Mas tinha algo a mais no palco: “A gente quer mostrar o prazer que sentimos em estar lá. Mostrar a importância da amizade não dizendo de repente ‘ah, temos de ser amigos’, mas sendo amigos mesmo, mostrando como a gente se diverte um com o outro. Mostrar o entendimento entre a gente. Que fazemos tudo por brincadeira e com prazer”, disse Paulo na época. Brincadeira, aliás, foi um outro grande projeto da dupla: ensinando a brincar com música – ou musicar com brincadeira – a dupla se dedicou a encontrar maneiras de botar todo o mundo para dançar e fazer música (veja mais no site deles aqui!).

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Saí da Crescer em 2013. Nestes anos, conversei mais com Paulo do que Sandra. E vários tipos de conversa, que iam desde o CD a ser lançado, paternidade, Beatles e os rótulos de “música pra crianças”. Na minha nova vida de mãe e trabalhando em casa, ganhamos o DVD Pauleco e Sandreca, uma série de clipes animados com canções novas e antigas, além de releituras de clássicos da nossa música brasileiras.

Uma das animações que mais gosto:

 

Foi assim que Clarice se apaixonou por eles. E foi ao lado dela que, ontem, vi Sandra Peres e Paulo Tatit apresentarem um show em que a razão do encontro estava estampada: brincar com o viver, emocionar-se com a infância, ser artista. Não é coisa fácil de se manter em um país que se importa muito pouco com qualidade de produções para crianças. Mas a luta não pode acabar: elas estão aí sempre à espera de um bom bis.

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