ARTE E CRIANÇAS: TEM JEITO CERTO?

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 Gabriella Mancini é jornalista, autora do livro Na Rua da Aquarela (Ed. Girafinha) e roteirista. Como é uma apaixonada pelas artes para crianças assim como eu, é Convidada do Esconderijos para falar sobre a experiência dela em três encontros sobre o assunto que aconteceram em setembro deste ano

 

GENERICAARTESBE
É outubro o mês das crianças, certo? Mas setembro de 2014 foi um mês para pensar a infância.  No Rio de Janeiro ou em São Paulo, eventos como Fil – Festival Internacional Intercâmbio de Linguagens, Comkids (conjunto de iniciativas para a promoção e a produção de conteúdo de qualidade para crianças e adolescentes) e Fici – Festival Internacional de Cinema Infantil reuniram especialistas e interessados em discutir a melhor maneira de fazer arte para crianças. Depois de tanta reflexão, a única certeza que tive é de que não existem fórmulas ou regras. Diante da criança, somos todos aprendizes. Ela vai sempre nos surpreender.

 

Durante o Comkids, a turma do canal de TV argentino Pakapaka apresentou um caso que exemplifica isso de uma forma curiosa. Eles se reuniram com várias crianças para apresentar os programas audiovisuais que pretendiam lançar. O público prestou atenção nas projeções, mas o que realmente lhe seduziu foram as projeções de bolas abstratas que dançaram sobre a tela após o fim da exibição. Elas não passavam de uma espécie de descanso de tela, que o projetor deixou escapar quando os filmes terminaram. As crianças ficaram hipnotizadas com aquelas imagens — para nós apenas tecnologia; para elas, poesia.

 

Para mim, a linguagem da infância se mostra cada vez mais metafórica e poética, porque a criança não é lógica como a gente. Ela é muito mais complexa. Parece que a gente é que vai simplificando a vida, desaprendendo a novidade, criando clichês, vícios, limites. Para mim, escrever para crianças é muito mais difícil que para adultos justamente porque, para elas, tudo vale, tudo é possível: o que nos desafia a ousar muito mais.

PENSARINFANCIA

Num bate-papo do FICI sobre trilha sonora para crianças, o músico e compositor Tim Rescala contou sobre as críticas que recebeu de amigos, adultos, quando pensou em fazer sua primeira opereta para crianças. Eles tinham receio de que as crianças não entendessem melodias tão sofisticadas. Pois no final das contas quem não entendeu foram os adultos. As crianças adoraram a obra! Seria uma espécie de liberdade? Hélio Ziskind, um dos mais importantes compositores para programas infantis do Brasil (Cocoricó, Castelo Rá-Tim-Bum e por aí vai), disse uma frase que talvez resuma tudo: “Não é questão de idade. Comparo a música com o mar: tem criança que nada profundo, tem adulto que nada no rasinho.” Temos muito a aprender com sua sensibilidade, que não tenta explicar o mundo – e muito menos a arte. Elas querem experimentar, e não racionalizar. E é nossa responsabilidade oferecer a esse público o melhor e mais amplo repertório, aproveitando sua curiosidade e receptividade, em lugar de limitá-la.

 

Por isso, a única maneira de falar com a criança parece ser, como disse o escritor e compositor Flávio Paiva numa mesa do Fici, olhar para a criança, e não pela criança. É ela quem sabe o que é melhor para si. E, por não conseguir racionalizar o porquê de gostar de algo, cresce a importância de encontros como estes fóruns, para trocar o que experimentamos e aprendemos junto a elas.

 

Sempre saio desses encontros achando que sei quase nada, cheia de perguntas, mas também cheia de vontade de experimentar. A turma do Comkids, por exemplo, nos desafiou a tentar contar histórias para as crianças não apenas de forma narrativa nem somente da maneira clássica. Não precisamos recorrer à nossa forma de ordenar os fatos ou organizar o mundo. Tampouco buscar modelos na criança que fomos. Porque a criança não está atrás de nós. A criança é a vanguarda.

 

 

 

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