Vermelho de Dar Dó!

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O contador de histórias paulista Cristiano Gouveia lança seu primeiro livro com um divertido reconto de Chapeuzinho Vermelho. Como é também músico e compositor, a obra carrega um CD para arrastar os móveis da sala e ouvir até (ou não) cansar! O projeto foi viabilizado por crowfunding e é uma sucessão de parcerias, confiram aqui

Vermelho.

Botão… vermelho. Árvore… vermelha.

Ops. Um pássaro azul? “Mamãe, olha o livro todo, parece que só ele é azul nesta história, né?”, observou Clarice, minha filha de 4 anos.

“Pela estrada afora…”, começo a ler. Conhecemos a história. Será? Voltamos para a capa: uma menina com chapéu vermelho. Claro, mas… ela parece mais velha do que a menina que geralmente vemos.

 

Pela estrada afora,

Seguindo pra casa da avó,

Ia uma pequena com um chapeuzinho

Vermelho de dar dó

 

Aí vai, pela floresta dos cafundó, um lobo com paletó, que convida a menina a dançar um carimbó, no caminho da casa da…? Você já sabe.

Este prazer entre “eu já conheço” e “que será que aqui tem de diferente” é um dos meus maiores deleites de abrir um novo reconto. Minha filha Clarice também topou a viagem. Com o livro em mãos, fui vivendo a história com ela até o final do livro. Achou engraçado demais esses ó,ó,ó,ó… “é tudo óóó, mamãe?!?”. Mostrei que tinha um CD e ela imediatamente colocou no aparelho da sala de casa. No primeiro acorde, colocou na cabeça uma coroa vermelha, feita com aquelas peças flexíveis de montar. Dançou. Ouviu, deu risada nas intervenções de voz e sons diferentes. Repetiu mais uma, duas, seis, dez. Acho que mais. Primeira coisa a ouvirmos no dia seguinte. Quis levar para a escola. Era semana de doação de livros e o livro foi parar em algum lugar da escola que demorou 3 dias para voltar, 3 dias para eu conseguir explicar à equipe que eu precisava dele para fazer este post, contar ao mundo. A professora já estava fã, mas eu precisava contar que a história criada pelo paulistano Cristiano Gouveia e ilustrada pela portuguesa Sónia Borges não deixa Clarice de jeito algum: descansa e volta, com ela cantando tudo em voz alta, procurando vermelhos pelo caminho. Este vendaval vermelho que habita aqui a minha casa é um livro-CD que o autor buscou realizar por crowfunding, ou seja, pedindo a colaboração das pessoas via web para viabilizá-lo. Contador e cantador de histórias, Cristiano é um pesquisador da linguagem narrativa com a música, faz diversas apresentações de seu repertório, mas nunca havia se lançado em livro. Aqui abaixo, ele responde a algumas perguntas do Esconderijos do Tempo. Confiram aqui!

crisgouveiap

Esconderijos do Tempo: Tem muito vermelho de dar dó na sua vida? Começou com a Chapeuzinho? Tem algo vermelho de memória? A gente lê o livro e ouve o CD e só vê vermelho por aí!

Cristiano Gouveia: Muito! Quem nunca teve a conta bancária no vermelho de dar dó? (risos). Brincadeiras à parte, essa frase foi a primeira coisa que nasceu nesse reconto da chapeuzinho. O vermelho não me chamava muito a atenção a ponto de construir alguma memória de infância. Mas ele surge mais intensamente na vida depois que meu filho nasceu, e e ele descobre que vermelho é a cor preferida dele! Aí é uma coisa de pedir suco de morango, amar tomate, sorvete com calda de frutas vermelhas, roupa vermelha…(risos)

Esconderijos: De onde vem o início desta versão? Quando quis que ela virasse Livro-CD?

CG: Como disse antes, a história nasce com a frase “vermelho de dar dó”. Achava a frase muito sonora, e que daria algum caldo musical bacana. Com ela na cabeça, resolvi então criar a história cantada. E não há como não associar uma história para crianças que tenha a palavra “Vermelho” com o conto clássico da Chapeuzinho. Daí foi misturar música e narrativa, e o reconto nasceu! Mas ele não nasceu como livro inicialmente, e sim como repertório para as apresentações de contação de histórias que faço. Nas apresentações fui percebendo que as pessoas gostavam muito da história. E foi esse retorno das pessoas que alimentou a vontade de transformar em livro.

E aí entra em cena uma pessoa muito importante para este projeto acontecer de fato, que foi a Clara Haddad. Ela fez a ponte entre mim e a ilustradora portuguesa Sónia Borges. A Clara que vislumbra e abre caminhos para essa possibilidade de parceria. A Soninha é apaixonada pela Chapeuzinho (que em Portugal recebe o nome de Capuchinho!). Apresentei meu sonho para Soninha, que de imediato resolveu sonhar esta história junto comigo, e logo nasceu uma parceria incrível!

Esconderijos: Você partiu para o crowdfunding. Foi uma decisão difícil? Tinha o projeto pronto? Como foi esse encontro de projeto gráfico”: textos, imagens, design e a produção do CD?

CG: Nunca é uma decisão fácil buscar concretizar um projeto. Mas a vontade era maior que a dificuldade! Quando conversamos, Sónia e eu, já tinha em mente a possibilidade de lançar o projeto em um financiamento coletivo. A música já estava pronta, só faltava transformar em projeto literário. Quando fui a Portugal, nós já desenhamos o projeto, como seria inicialmente, e ela logo apresentou os traços primeiros para as personagens da história. Daí foi um caminho de diálogo intenso entre a gente. O livro foi para o crowdfunding e foram 45 dias de frio na barriga! Mas tivemos muitas pessoas que acreditaram no projeto e nos apoiaram! Mais de 130 pessoas!

Além disso, tivemos outras colaborações incríveis: além da Clara, tivemos ajuda da Vanessa Balula, que acompanhou a gente por um tempo, e olhou o projeto com carinho e com importantes colocações. O livro quase saiu pela editora Bolacha Maria, mas acabou tomando outros caminhos. A querida Ana Paula Mathias que fez o projeto gráfico e a diagramação, a Raquel, o Ale e o Marcelo do estudio Luppi Arts que me recebeu de braços abertos pra gravar o cd lá.

Aliás, a produção do CD também foi uma delícia de fazer! Porque é muito bacana tentar pensar os sons que ajudam a contar esta história. Pensar cada instrumento, cada som que se relaciona com o que está sendo contado. Um assovio que é inspirado em um canto de pássaro, um instrumento que se liga ao lobo, outro que se conecta com a chapeuzinho. São pequenos detalhes que fazem toda a diferença pra mim. E que se tornaram realidade com a ajuda de muita gente incrível: Erica Navarro, Simone Julian, Flavio Rubens, Helder Lúcio e o Marcellus Meirelles que também arranjou junto comigo a música.

Esconderijos: Quanto tempo durou o processo? Você cuidou de todos os detalhes desta produção?

CG: Eu era marinheiro de primeiríssima viagem nessa história de conceber um livro! Ainda sou, na verdade. Não me dei conta, no início, do caminho árduo que era tornar esse projeto realidade. Do início do projeto até a chegada do livro em mãos foram mais de dois anos. Muitos aprendizados, muitos erros, alguns acertos, mudanças e mais mudanças durante o caminho. Mas uma vontade enorme de fazer acontecer! Muita gente cuidou comigo de cada detalhe da produção. A Sónia teve papel fundamental nessa produção. É um projeto em parceria mesmo. Ela trouxe o olhar literário pra história, deu visualidade à música.

VERMELHODODENTROP

Esconderijos: …um influenciou no trabalho do outro… e é uma dúvida sempre tão forte dos novos autores, esse entrosamento entre os artistas…

CG: A parceria com a Sónia foi deliciosa! A história cantada que criei originalmente acabou mudando muito depois que ela foi propondo as ilustrações. E imagino que o caminho inverso é verdadeiro. Ver o modo como ela trouxe seu olhar pra história me fez mudar alguns versos, acrescentar ali, cortar acolá! E mesmo no arranjo da música, sonoridades nasceram a partir das propostas de ilustração dela. Tenho certeza que a música teria outra cara se fosse apenas para estar em um CD.

Acho que esta parceria teve este lugar tão especial, pois de fato eu e Sónia nos tornamos bons amigos, e fizemos este projeto com muito carinho. Colocamos nossa história neste conto. Desde o traço da casa da avó que é inspirado na casa da avó de Soninha, ao som de um curió que ouvia muito. Tudo tem sentido. Estávamos na mesma sintonia pra compor o livro e o cd.

Esconderijos: Minha filha Clarice já decorou tudo e, prestes a completar 5 anos, se relaciona mais com o CD do que com o livro. Mas fica com os dois juntos, pra cima e pra baixo. Ficou intrigada com as palavras terminando em ó, aceitou a brincadeira, gosta das intervenções… Cris, que infância é esta que não se cansa de ver versões da Chapeuzinho Vermelho? Como você decidiu pelas semelhanças e diferenças na história que as tornam única mas, ao mesmo tempo, com esse tempo de referência, memória e afeto?

CG: Elas, as crianças, nos ensinam tanto ,né? Eu aprendo muito com meu filho, observando as maneiras dele estar no mundo. Nos ensinam a não ter medo, inclusive, da repetição. E que, na verdade, não se repete totalmente. É como uma visita a um ente querido. A gente sabe quem é, como está, onde mora, qual o nome. Mas cada visita é uma descoberta e também uma confirmação que as coisas continuam. Tem um lugar que é parecido com a música. A música precisa assim de um lugar que caminha (a melodia inicial) e um lugar de repouso (como um refrão, por exemplo). Acho que as histórias são assim também. Um lugar onde a gente possa caminhar por estradas novas, mas também possa se reconhecer em lugares de descanso. Eu queria que isso fosse um brinquedo, sabe? E o conto da chapeuzinho é quase um quintal que a criança conhece e aceita brincar. Uma história de brincar cantando. Que brincasse de “agora eu era”, que brincasse com os sons das palavras. Mas que também mostrasse que a criança pode se permitir brincar de inventar novos olhares, novos jeitos de contar. Instigar o olhar curioso mesmo. Tem casa da avó, tem celular, mas tem curió, tem quiprocó, tem até glossário! Meu filho, quando ouvia as palavras, perguntava o que era! (risos). A escolha por ter um glossário no livro nasce assim, para tentar inventar, do nosso jeito, uma resposta às possíveis perguntas “o que isso quer dizer?”.

Esconderijos: Você está lançando o livro independente. Qual o próximo sonho agora?

CG: Como escreveu o Fernando Pessoa, “tenho em mim todos os sonhos do mundo!” Agora é deixar a Chapeuzinho seguir pela estrada, e quanto mais pessoas puderem se encontrar com ela por aí, ficarei feliz! Agora é outra batalha dura, que é conseguir levar este livro pra mais e mais pessoas. Empolgação e alegria não faltam pra tornar esse encontro realidade!

Tenho escrito cada dia mais e mais histórias, e pesquisar o casamento da música com a narrativa tem me instigado cada vez mais. Meu sonho é assim: Brincar de inventar novas histórias. Tenho algumas na gaveta (ela anda cheia!), e tem até outras em fase de produção. Fui aprovado no Edital PROAC de Literatura Infanto-juvenil do ano passado, para criação de um novo livro infantil. Vai se chamar “Pequenos Sambistas”. As histórias estão quase prontas, e nasceram da ideia de misturar a obra de grandes sambistas ao universo dos contos tradicionais. Peguei quatro figuras importantes do samba: Clementina de Jesus, Cartola, Chiquinha Gonzaga e Adoniran Barbosa. Tenho a honra de ter a incrível Tatiana Móes como ilustradora desse projeto. Logo mais teremos novidades.

VERMELHO DE DAR DÓp

Vermelho de Dar Dó

textos Cristiano Gouveia e ilustrações Sónia Borges

2017 

Mais informações e como adquirir o livro aqui no site do autor

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