Sobre morte, música e memória: Viva – A Vida É Uma Festa

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viva-a-vida-e-uma-festa2“Mamãe, seria legal mesmo se eu pudesse ter um papai Ricardo e um papai Hector.”

Foi o que minha filha Clarice, 5 anos, me disse em uma noite destas antes de dormir. O papai Ricardo é o papai dela mesmo, que ela ama demais. O papai Hector… bem, Hector é uma caveira mexicana que “vive” atualmente no Mundos dos Mortos. Ela o conheceu no Viva – A Vida É Uma Festa, a mais recente produção Disney/Pixar que hoje concorre ao Oscar de melhor animação. Para sufoco da maior parte dos pais, é a morte que centraliza a história, as emoções e as lembranças. Conduzido por um personagem inesquecível, o menino Miguel e inspirado na maior das tradições mexicanas – a festa do Dia dos Mortos – mergulhamos em um universo recheado pela importância das memórias de quem encontramos pela vida. Seja por um retrato, seja por uma música, seja por uma história: a potência de olharmos para o nosso legado e o afeto (ou não) que deixamos com ele.

Mas o que faria uma menina de 5 anos querer uma caveira “assustadora” como um segundo pai? Só vendo mesmo…

Quem nos convidou para assistir ao filme pela primeira vez foi uma dupla maravilhosa, a minha amiga Daniela Tófoli e sua filha, Helena. Escrevi “primeira vez” porque Clarice foi ao cinema cinco vezes. Esta, depois levamos o pai, outra levamos tia, prima e primo de segundo grau (de 3 anos), outra ela foi com a avó e, a última vez, só ela e o pai. Na primeira vez ao cinema, a história nos pegou de jeito. Difícil o que laça melhor ali. Será Miguel e sua adorável família? Será o sonho de um lindo menino de ser músico? Seriam todas as referências estéticas – em formas e cores e texturas! – da cultura mexicana? Seria uma narrativa inicial fabulosa para localizar o espectador do grande drama familiar: uma mãe e uma filha abandonadas pelo marido que decidiu ganhar o mundo para ser músico? O filme é uma costura de sentimentos, referências, tradições e memórias, sejam da história de seus personagens, sejam de cada um de nós que cria identificações com vários cantos da trama.

Aqui em casa a coisa colou mesmo por conta do app Spotify. No dia seguinte à primeira assistida, procuramos a trilha sonora do filme. Pronto, não há um só dia que a Clarice não coloque pelo menos uma canção para tocar. Está lá em sua “Clalista”, que vai de Mundo Bita a Cabeça Dinossauro dos Titãs, passando por Frozen e Beatles. Embora o filme não tenha a pegada musical Broadway e, pelo menos para mim, fica longe do exagero vocal Disney, a música é a essência da história. O sucesso “Lembre de Mim” é quem faz Ernesto de la Cruz ser o grande ídolo de Miguel e sua cidade. Ele tem um santuário escondido sobre o cantor, que morre de forma tragicômica (e é aí que a ironia e um certo sarcasmo diante da morte aparece pela primeira vez). Por que escondido? Porque a avó de Miguel é responsável por manter uma das tradições familiares: ouvir música é proibido por ali pois o tataravô de Miguel abandonou a família para sair em turnê em busca de uma grande carreira como músico. A esposa deixada criou a filha sozinha, começou uma fábrica de sapatos e passou a mágoa e a superação adiante. Os descendentes só tiveram a chance de perpetuar a decisão, mas Miguel, um menino, só quer saber de convencer a todos que a música é seu destino.

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E é na famosa cerimônia mexicana de O Dia dos Mortos – onde os vivos lembram-se dos mortos – em que tudo acontece. Dos momentos inexplicáveis só possíveis na fantasia, embarcamos com Miguel para o outro lado, o outro lado da vida, o tal Mundo dos Mortos. A busca de Miguel é pelo seu ídolo Ernesto de La Cruz, mas quem ele encontra e quem cuida e o acompanha no filme é a engraçada caveira Hector, um morto sem rumo que lamenta não ter ninguém vivo para se lembrar dele. A dupla vira amiga pelo mais belo milagre que os seres humanos são capazes de fazer: o canto. É aí que temos contato com outras canções e conhecemos melhor todos os excelentes dubladores brasileiros – e evidencia belíssimos arranjos musicais -, como Nando Pradho (Ernesto), Arthur Salerno (Miguel) e Leandro Luna (Hector), todos maravilhosos cantores que Clarice tenta imitar. Aqui neste vídeo do canal Comentário Nerd tem tudo sobre eles, vale a pena ver:

Viva é riquíssimo em detalhes e personagens que se entrelaçam. Marcantes também são o cachorro Dante – da raça Xoloitzcuintli, típico do México – e uma participação especial de Frida Kahlo (que a Clarice também é apaixonada, então, imaginem a emoção! Aliás, ela tinha um cachorro destes…). Vejam aqui uma porção de curiosidades que a minha amiga Daniela trouxe lá da Cidade do México paa a Revista Crescer, quando a Pixar exibiu o filme aos jornalistas. É um filme sobre as relações humanas. A mais bonita e das mais importantes é a de Miguel com a Mama Inês, sua bisavó. Uma senhora fofa que fica em uma cadeira de rodas é o elo entre passado e futuro, e um dos momentos mais marcantes da trama – quando Clarice chorou em todas as cinco vezes.

Vejam um trailer-convite aqui:

Termino esse post meladíssimo com a canção preferida aqui nossa em casa. Desde que falei para a Clarice que era a minha preferida, toda a vez que ela põe para tocar ela me olha como se fizesse uma espécie de homenagem. Destas coisas que só as canções potencializam: memórias que vão além destas vidas. A música é ou não um milagre?

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