POUCO É MUITO

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Por encontros da vida, alguns livros lançados eu já tenho algumas informações sobre eles um pouco antes de chegar às livrarias. Eu sabia um pouquinho sobre Pouco É Muito, novo livro da escritora Ana Lasevicius, desta vez em parceria com Ionit Zilberman, uma das ilustradoras mais presentes no livro ilustrado brasileiro. A novidade vem embalada pela Editora Nós e o que eu sabia era o seguinte: narra um conto de tradição judaica e é dividido em duas partes.

 

Dividido em duas partes? Sim, uma parte se folheia para a esquerda, outra parte para a direita.

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Lembrei de uma coleção de livros da Eva Furnari, dos anos 1980, chamada Ping Póing com títulos como Quem Cochicha, o Rabo Espicha ou Quem Embaralha, Se Atrapalha, que eu adoro, mas que saiu de catálogo.

Mas Pouco É Muito é um pouco disso e muito, muito mais. Primeiro, o livro tem um doce formato de 16 cm X 12cm e a delicadeza continua: pegamos na mão duas brochuras interligadas pela capa e guardas, em que, à primeira abertura, símbolos desenhados nos convidam a continuar. Abrindo do lado esquerdo, biografia dos autores, do lado direito, ficha catalográfica… espere, começamos o livro pelo final? Não se sabe. É ao folheá-lo que notamos que ele pode ser lido ao mesmo tempo com os dois lados, abrindo cada um ao mesmo tempo.

Ou…

Abrindo primeiro texto e depois ilustração. Ou vice-versa.

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Fui começando a história, quando a edição chamou a atenção da minha filha Clarice, 4 anos, que brincava na sala. “Quero ver, mãe”.

Sentamos no sofá, eu sem saber se ela poderia compreender a história toda: eu já sabia que o conto narra a história de uma vida de um menino e seu avô.

Tudo começa com um cobertorzinho que o avô alfaiate faz para o neto e presenteia-o ao nascimento. O cobertor, assim como a vida, se transforma e muda: primeiro casaco, depois colete e por aí vai. Diversos bordões surgem na história, entre eles, do avô: “nem tudo está perdido, pois com pouco se faz muito…”. E assim vamos vendo o avô refazer o uso do cobertor até que, no final, uma surpresa aguarda menino e o leitor.

Comecei a folhear com Clarice os dois lados. Ela decidiu assumir o lado direito, o das ilustrações, e como narrando a história junto comigo. Foi uma delícia. Mesmo em um projeto gráfico com tipo e fontes tradicionais de livro para leitores já fluentes, o texto de Ana Lasevicius é ritmado em tom de fácil compreensão para os pequenos, com as repetições já prazerosamente antecipadas pelo leitor. O jogo dos bordões provoca uma ansiedade para o final. As ilustrações, no entanto, são um contraponto: têm uma leveza da passagem do tempo bem degustada, como se estivéssemos folheando com vagar um álbum de fotografias de alguém desde os seus primeiros dias. O tecido do cobertor se destaca aos riscos em nanquim e o pequeno leitor vai se desapegando dos formatos das roupas, no mesmo exercício que faz o personagem principal.

Já pelas tantas, folheávamos no mesmo ritmo, como uma metáfora do próprio ato de ler para crianças: o encontro a dois, a história compartilhada e vivida ao mesmo tempo, cada um com sua leitura diferente.

Conforme o cobertor se transformava em outros recortes, e atenta ao que eu lia em palavras, Clarice foi notando a mensagem do conto tradicional: a possibilidade de transformação e a garantia de que, mesmo diante dos estragos não resistentes ao tempo, sempre podemos ficar com o essencial.

No final, uma conclusão. “Clarice, o que você mais gostou do livro?”

“Eu adorei os dois lados. Tudo”.

E um bom livro ilustrado é para gostar de partes ou do todo? Nele cada pouco é sempre muito, não?

 

Pouco É Muito (Editora Nós)

De Ana Lasevicius e Ionit Zilberman

2016

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