Desde criança sempre amei histórias do tipo “como vocês se conheceram?”. De amizade, claro, mas de casais mais ainda. De como começam as histórias de amor. O escritor angolano Valter Hugo Mãe, um dos mestres de nossa língua portuguesa, fez um livro exatamente para esta minha curiosidade. Em O Paraíso São Os Outros, uma menina elabora observações sobre a vida a dois. Só que isso pelos dedos de um bom escritor se torna muito mais do que pensamentos. Lembrando Manoel de Barros: vira “matéria de poesia”.
Os casais são criados por causa do amor. Eu estou sempre à espera de entender melhor o que é. Sei que é algo como gostar tanto que dá vontade de grudar. Ficar agarrado, não fazer nada longe. Os casais são isso: gente muito perto.
Mas o livro puxou mais ainda da minha memória, ao ser fruto de uma narrativa a partir de fotos antigas de casamento, daquelas que eu sempre amei ver no álbum dos meus pais, daquelas em que há dedicatórias a parentes. Como esta aqui:
Estas pedras coloridas compondo as imagens são obra do artista plástico paulistano Nino Cais. Em visita ao amigo, Valter se deparou com as manipulações das fotos, e foi o salto para a menina-pensadeira sair da cabeça criativa do escritor para o papel. Daí o livro ser criado em parceria, com uma sucessão de reflexões sobre vários tipos de casais – de animais, inclusive –, em várias etapas da vida, sempre colocando-nos a pensar como se juntam pessoas. E, como não poderia ser diferente, tudo inserido em um projeto gráfico que casa com o tema nas fontes das letras, molduras nas páginas e textura do papel.
Os adultos apaixonam-se ao acaso, ainda que façam um esforço para escolher muito ou com muita inteligência. Já aprendi. O amor é um sentimento que não obedece sem se garante. Precisa de sorte e, depois, empenho.
Ao mesmo tempo em que reconhecemos uma garota no jeito de expressar as dúvidas, a riqueza dos termos e da dança das palavras se dá na sofisticação esperada para quem já é leitor de Mãe, ou surpreende para quem é iniciante: é o primeiro infantojuvenil dele lançado aqui, feito da editora Cosac Naify (só depois foi lançado em Portugal), que tem outros do autor em seu catálogo. No meio do livro, a inspiração fica clara:
Descubro cada vez mais que o paraíso são os outros. Vi num livro para adultos.
O autor mesmo conta que este livro surge depois de escrever o romance A Desumanização (também aqui pela Cosac), em que reflete sobre a popular expressão do filósofo Jean-Paul Sartre, “o inferno são os outros”. No romance, uma menina vive as dores e as angústias da morte de sua irmã gêmea. O pai, na forma filosófica de conversar que o caracteriza, diz a ela: “o inferno não são os outros. Eles são o paraíso, porque um homem sozinho é apenas um animal. A humanidade começa nos que o rodeiam, e não exatamente em ti. Ser-se pessoa implica a tua mãe, as nossas pessoas, um desconhecido ou a sua expectativa.” (…)
O Paraíso São Os Outros é matéria de poesia para gente pensar todas as relações e que existimos com os outros. Que o amor existe e tudo bem que ele seja buscado, sim. Coisa linda de se falar com criança, jovem, adulto, idoso…
Ps – Dedico o post a Bia Reis, amiga e jornalista, criadora do blog Estante de Letrinhas, e que gentilmente me sugeriu e emprestou este livro. Porque ler com o outro também é presente da vida.
O Paraíso São Os Outros (ed. Cosac Naify)
Texto de Valter Hugo Mãe com obras de Nino Cais
2014