Bati um papo com o autor Jean-Claude Alphen sobre a criação dos desenhos da AmorA na rede social Facebook e como espalhar amor com profundidade
Cerca de um mês atrás, os amigos do Facebook do autor Jean-Claude Alphen um belo dia vêem saltar em sua timeline uma garotinha carregando livros. No desenho, bem em cima dela, uma espécie de título que dizia AmorA Pela Leitura. Dia 15 de novembro ela já tinha sua própria fanpage, em dias mil curtidas e já passa das 80 “charginhas”, como nomeia Jean-Claude.
Não vou me esquecer da beleza que eu sentia ao ver as charginhas surgindo todos os dias, nos acolhendo de uma avalanche de brigas, ódio espalhado inclusive nestas mesmas redes sociais que o autor criou o AmorA Sim. As imagens eram sempre seguidas de muitos comentários, uma contágio de afeto e movimento. Era um projeto? Um sopro de paz? Um grito? O autor, que já colocou seu traços em dezenas de livros e vem se tornando esperado nas livrarias e bibliotecas cada vez mais, brinca com nossa raiva, ironiza as injustiças brasileiras e evidencia a todo o momento que, sem Amor(A) não vamos chegar a lugar algum.
Não resisti a esse amor todo e conversei com o autor, este brasileiro do Rio que passou a infância na França e que é o criador da porquinha Adélia (a premiada obra que ganhou Jabuti – entrou em listas importantes e pro coração de muita gente! – e chegou ao mundo pela editora Pulo do Gato) sobre esse fenômeno de afeto em tempo tão obscuros e estranhos. O que seria isso tudo… ah, uma brecha?
ESCONDERIJOS DO TEMPO: Você diz “não é tirinha, não é livro para a Infância, não é charge, é charginha”… por que? O que caracteriza e não caracteriza? O que é AmorA Sim?
Cristiane, não é tirinha, nem livro para a infância e nem charge na idéia formal que fazemos das charges. Tem personagens, e charges têm poucos personagens fixos, tem mais nas tirinhas. Por isso é uma miscelânea de tudo isso. E para facilitar; eu as chamo de Charginhas…
Da impressão de quem te vê pelo Facebook, a AmorA me dá uma ideia de “desabafo”: um dia você não podia mais aguentar tanto peso e resolve espalhar “amor”A… foi mais ou menos assim que nasceu a ideia?
Minha experiência sintética e minimalista como autor para a infância é preponderante assim como minha formação em quadrinho e meu velho
sonho de fazer uma história com personagens carismáticos.
AmorA nasceu logo após a derrota da democracia no Brasil e partiu de uma necessidade de expressar minha frustração e meu desconforto com o Brasil que se avizinha.
É um desabafo mas que foi se transformando com o decorrer do trabalho. Porque foi um trabalho coletivo. Muita gente participou, o pessoal que me segue sugeriu nomes, personagens e muitas coisas rolam neste pequeno universo Amoriano. Sim, em vez de espalhar ódio e ressentimento pensei no que seria melhor naquele momento para mim e para muita gente. Seria importante não perdermos nossa humanidade.
E como foram inspirando cada personagem? Vi agora um com uma professora… tem inspiração na Lígia Pin*? Você poderia aqui contar algo sobre cada um deles?
Cada personagem tem suas características e foram crescendo de acordo com o feedback dos seguidores ou melhor seguidoras… Tenho muito mais seguidoras, porque elas gostaram de AmorA e da sua postura forte, feminista e de paz e amor.
Mas têm muitos outros personagens: tem o Qualé que é um guaxinim que é o pet não domesticado dela. Ele é bem marrento , manipulador e interesseiro, como um adolescente é normalmente nessa época, mas é o filhinho dela. Ele também tem suas qualidades. Todos os personagens têm as duas faces da mesma moeda, fraquezas e forças…
Tem a Toupeira que simboliza o medo do que vai acontecer… Vou me esconder? vou sair do Brasil? O que muitos se perguntaram.
Tem O BiBi que é mais descolado, mais vivido e é músico e ele encerra a madrugada sempre cantando e tocando sua guitarra com trechos de músicas que eu gosto, e que às vezes cabem no momento que vivemos.
Tem o Bem-te-vi que é o cara atento e que chama pra briga mesmo sendo pequeninho.
Tem o Krén que é uma homenagem aos Krenac, uma etnia de índios guerreiros, bem inteligentes e que podem nos dar lições de resistência e de como ser resiliente.
E vão chegando mais por aí…
Acabou de nascer a Seilá, uma jabuti do barulho, de casco duríssimo.
A professora é inspirada na Ligia Pin porque somos amigos de longa data e sempre falamos e trocamos experiências sobre crianças. Ela da sala de aula, e eu de autor de livros porque sempre acreditei que
nossas atividades se cruzam. Mas ela simboliza todos os professores do Brasil. Uma das profissões mas desprestigiadas que temos …E deveria ser bem o contrário.
Tem alguma pretensão a mais? Publicar impresso? Continuar? Nos dá uma sensação boa saber que sempre teremos novidades…. teremos?
Não vejo como imprimir, apareceram uns “loucos” no bom sentido da palavra pensando nisso mas acho que não vai passar pela censura.
E não seria uma produção fácil para fazer escoar. Só se fosse de graça.
E eu faço de graça no virtual e vou continuar trabalhando assim.
Mais de mil seguidores né?
Pois é, 1000 em duas semanas, e não impulsiono nada e nem compro estes pacotes que eles oferecem pra conseguir mais seguidores.
Naturalmente, essas charginhas se destinam a um público restrito, adultos que querem algo diferente do que só ataques e briga.
Naturalmente, eu dou uma boa pitada de críticas que não são ofensivas nem agressivas. São construtivas.
A gente fala e reclama tanto dos males das redes sociais, de que estamos mais isolados ainda, que vivemos uma ilusão com ela, de aparências e, o principal: que nossa convivência nas redes ainda há muito o que evoluir. Saber dialogar por lá, ouvir o outro é uma delas…
Mas tem esse outro lado do engajamento social, da denúncia, de chamar atenção para o essencial nosso, manter amizades e forças de resistência… e agora você nos acolhe e nos dá sua arte pelas redes, criando uma atmosfera de afeto por meio destes personagens. Será que você encontrou uma fissura, uma brecha de sentido neste mundo virtual?
Exatamente, concordo totalmente com você: é a brecha que ainda está aberta e que pode confortar muita gente. Inclusive, neste universo de seguidores , alguns já se tornaram amigos. E tem também pedidos de ajuda pra divulgar problemas, doenças, dicas para a comunidade.
É uma pequena comunidade que nasceu como uma maneira de resistir mesmo.
Mas ela foi bem além do que imaginei, criou afetos, laços, amizades.
Acho que existe esta brecha sim desde que não seja uma coisa muito agressiva ou algo como um movimento de guerrilha. A intenção não é essa, a intenção é acolher. É espalhar AmorA por aí.
E temos outro projeto de livro novo?
Tenho livros que vão pra fora do Brasil, especificamente para o Canadá, alguns também daqui sendo traduzidos para o francês e para o mercado de lá. E continuo com alguns livros já programados para saírem em 2019 aqui no Brasil.
Obrigado e vamos continuar nesta luta divertida e séria nestes tempos sombrios que se avizinham..E todos estão convidados para seguir
A Fan-Page de AmorA https://www.facebook.com/AlphenJeanclaude/
*Lígia Pin é uma das (queridas) alunas da pós que eu coordeno, O Livro Para a Infância, n’A Casa Tombada!