“OLAVO” E O DIREITO DE SER TRISTE

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“Olavo era um menino triste”.

Esta é a primeira frase, consigo passar mais algumas páginas, mas minha filha Clarice parece fingir não prestar atenção. Tento há alguns meses ler o livro todo para ela e, quando pergunto “ah, posso continuar?”, ela sempre diz “depois”. “Eu deixo ele aqui?”, perguntei para ela, apontando para uma das nossas pilhas fixas de livros para ler. “Sim, a gente vai ler”.

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Mas é incrível que, mesmo ela não sabendo como é o livro todo, ele já existe. Existe na vida dela. Outro dia falamos sobre algo que havia acontecido na escola, algum conflito, o gancho para a conversa surgiu e eu disse: “Algumas pessoas ficam mais tristes que as outras. São mais ‘sensíveis’, a gente pode usar esta palavra, Cacá. Assim como o Olavo, o menino daquele livro, sabe?”. E ela: “Sei, mamãe”.

Olavo, livro que o grande autor Odilon Moraes lançou com a Editora Jujuba há alguns meses é das emoções que a gente tem que respirar fundo e bancar. Não, não narra uma tragédia. Não tem final feliz ou infeliz. Ele “apenas” divide conosco a ideia de uma criança que, “não por algo que lhe faltasse, nem qualquer chance perdida”, simplesmente é triste.

Vamos acompanhando o cotidiano de um menino, de uma casa, de uma janela, que tem sua espera da vida repentinamente alterada quando, um certo dia, ele é surpreendido com uma caixa de presente na sua porta. De quem seria? De onde vinha?

“E quanto menos sabia o porquê ou do que se tratava, mais forte seu peito batia, mais leve seu corpo ficava”.

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É quando este azul se dá por inteiro e, quando menos esperamos, começamos a ver a cor como palavra. Ou como uma frase poética com nuvens e borboletas. É como se este azul nos gritasse: EI, VOCÊ ESTÁ VENDO AQUELE OLAVO, O MENINO TRISTE, AQUI?

O enredo e o “final” se alternam em importâncias. O final dá a calma de uma conclusão ou hipótese, daquele menino que o leitor sente o impulso de salvar. Mas é só voltar para o enredo que o peso do livro se torna evidente como sugestão de ampliar a nossa visão sobre uma criança, uma infância, uma melancolia. Odilon nos dá a chance de ver que palavra, imagem e até cor são narrativas. Cor é palavra. Texto são imagens. Imagens são narrativa, encadeadas em um ritmo que nega a pressa de um tempo que não parece mais nosso. Mas é. Tudo com um evidente cuidado do projeto gráfico de Raquel Matsushita e da editora Daniela Padilha, que sabe o livro de cor não somente no original, mas nos seus passos, nos seus tempos, em um processo artístico que, se olhado desde o início, se esperado até o final, nos dá tanta possibilidade de leitura e deleite.

De riscos a lápis preto a um azul-céu bastante específico, Olavo, o livro, propõe uma conexão com o outro, o outro Odilon, o outro Olavo, o outro leitor, eu, a criança que não precisa de pressa – e não terá certamente – de concluir nada. Principalmente se ela souber que há sempre uma janela para abrir.

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Olavo (ed. Jujuba)

De Odilon Moraes

2018

 

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