Caderno Veloz e as surpresas de Ricardo Azevedo

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O poeta, o artista é aquele que se espanta com o mundo. Eva Furnari, grande autora da nossa literatura infantojuvenil, diz que são os artistas que percebem quando o mundo (a sociedade) está no extremo de um pêndulo no que se refere a formas de pensar ou de agir, ou seja: são eles que se dão conta de que nós estamos precisando prestar atenção em algo, buscar o equilíbrio das sempre tantas intensidades humanas.

Ricardo Azevedo, não por acaso um grande amigo de Eva, talvez tenha concretizado em um só livro este pensamento do lugar do artista. Para mim, está tudo ali em Caderno Veloz de Anotações, Poemas e Desenhos, lançado pela Editora Melhoramentos. Ele mesmo faz um posfácio esclarecedor: “A ideia de um espaço livre e pessoal capaz de guardar comentários, observações, imaginações, especulações, sonhos, sensações e sentimentos pegos no ar ou sugeridos pelos acontecimentos e vivências do dia a dia, traduz bastante bem, creio, a proposta geral do livro.”

O que vemos é, segundo ele, trabalho fruto de anos de rabiscos em desenho e palavra escrita. Algumas vezes textos e imagens iniciadas a partir de outros livros, que foram se guardando nas gavetas físicas e imaginárias de Ricardo.

Mas quando falamos de anotações e poemas, são maravilhas como:

 

Alguma coisa está errada

Tenho tudo nas mãos

E até agora nada

 

Ou
Porque morreremos construímos

endereços

amores

dívidas

dúvidas

erros

trabalhos

tropeços

acertos

amizades

filhos

esperanças

futuros

medos

experiências

sonhos

nosso jardim.

 

Já quando nos deparamos com as imagens, percebemos que Ricardo está, inclusive, quebrando regras do que se convenciona como livro ilustrado. Os desenhos não são relacionados aos textos, são textos-poemas-imagens, autônomos, como estes:

Caderno Veloz, Ricardo Azevedo
Caderno Veloz, Ricardo Azevedo

ou

CADERNOVELOZ2

Trata-se, sim, de um livro ilustrado em poemas e imagens. Você folheia e ora o trabalho é palavra, ora o trabalho é desenho.

Ricardo, um dos mais importantes pesquisadores da nossa cultura popular (autor de Armazém do Folclore, Meu Livro do Folclore, O Sábio ao Contrário, o Livro dos Pontos de Vista, dentre dezenas! mais sobre ele em ricardoazevedo.com.br) e sua relação com a literatura infantojuvenil, divide conosco o artista completo que é. A justificativa? Ele mesmo publica: “Não sei se a vida faria sentido se ela não fosse, de alguma forma, espantosa.”

Precisa mais?

Precisamos sempre.

 

Mais um, para finalizar:

 

Como me sinto por fora

Procuro dentro um caminho

 

Como não vejo saída

Abro a porta para a vida

 

Como não sei pra onde ir

Deixo meu barco seguir

 

Como não sei a verdade

Dela não tenho saudade

 

E quando sinto tristeza

Invento alguma certeza

 

E quando perco o sentido

(isso não é proibido)

 

Não toco fogo na praça

Pois sei que logo isso passa.

 

CADERNOVELOZCAPAp

Caderno Veloz – de anotações, poemas e desenhos (Ed. Melhoramentos)

De Ricardo Azevedo

2015

 

 

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