A PRINCESA E O PESCADOR DE NUVENS

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Já fiquei bastante assustada com livros que tratam o tema morte para crianças sem delicadeza alguma. Mesmo de editoras de renome ou autores com muita experiência. Como se o assunto fosse fácil, o que não é nem mesmo para adultos, psicólogos, religiosos… lidar com a possibilidade da morte é, sem dúvida, um de nossos maiores desafios. Assim, foi um presente ler o novo livro do paulistano Alexandre Rampazo, A Princesa e o Pescador de Nuvens (Ed. Panda Books) que, para mim, entra na lista de outros (ainda bem!) livros que podem enriquecer nosso repertório, sem didatismo: apenas contando uma boa história. Sem saber, a obra veio me acalmar, me dar poesia para dar conta de um tema tão espinhoso, quase traiçoeiro – quanto tempo demoramos para aceitar ou entender a morte? E o que fazemos a nós e aos outros em nome disso?

Na história, uma princesa adora observar os formatos das nuvens. Mas, o que ela fazia, na verdade, era algo que nenhuma outra princesa poderia fazer: “para manter a lembrança dos seus sonhos maravilhosos, ela criava, desenhava e dava formas às nuvens para depois lançá-las ao céu.” Quem ensinou este poderoso “truque” a ela foi seu pai, um rei bondoso e muito amado pela menina. E o fazia também de um jeito bastante diferente, usando uma colher especial, uma nuvem guardada em uma gaiola e, claro, um pouco de magia. Em um dia qualquer, a princesa percebeu o silêncio no reino. O silêncio que revelaria depois o inesperado: o trono do rei estava vazio.

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A partir daí, é a sutileza que continua conduzindo a história. A menina é acolhida, depois fica sozinha. Elabora a perda? Ainda não. E é esta a parte que, para mim, tem de mais verdade, tem de mais poético. A garota encontra um jeito de continuar buscando pelo pai. Ela não se conforma e aí chega a parte do autor nos apresentar o Pescador de Nuvens. Que encontro! Nos surpreendemos junto com ela, crescemos ao lado da princesa.

O caminho é um texto leve mas cheio de pequenas profundidades. Você sente cair em uma reflexão mas logo é erguido como um balanço acalentador que vai e vem. Ilustrações de página inteira têm nas cores fortes uma dança harmônica com os delicados traços deste reino e personagens que vivem nas nuvens. Fortes como o poder de virar chuva. Leves como a aparência de pedaços de algodão.

ALERAMPAZOConversei com Alexandre Rampazo sobre o livro, sobre morte, sobre perdas, sobre arte e literatura e sobre o que nos torna humanos.

ESCONDERIJOS DO TEMPO: Como nasceu a história? Ela morava em alguma nuvem?

ALEXANDRE RAMPAZO: Não sei dizer ao certo quando a história nasceu. Estou sempre rodeado de anotações em post-its, agendas, cadernos, (talvez sejam essas as minhas nuvens), e contar uma história sobre a perda de algo ou alguém era um assunto que me interessava tratar de alguma forma. Juntei alguns elementos e imaginei que tinha uma boa história pra contar.
Gostaria que a história mostrasse uma realidade dentro da condição de ser humano, de ser vivo. Mas queria contar isso de uma forma lúdica, quase onírica. Colocar tudo metaforicamente dentro de um reino, com uma princesa, rei, rainha, aproximando os personagens e suas relações; a importância que essa relação de proximidade traz; a importância do outro com quem você se relaciona e o que ele lhe oferece; de um fazer parte da vida do outro, as coisas boas que vêm junto com tudo isso, e a gente querer que isso dure por muito tempo. Quando você quer. Quando se tem a sensação que te pertence, você não deseja perder. A morte quando chega, abre um abismo entre o que você tem, ou tinha, e o que você tem que passar a lidar e canalizar todo seu sentimento de uma outra forma. Uma das formas é manter vivo quem partiu na memória.

Acredito que talvez uma das razões do assunto morte ser tão
incompreendido é de nós termos a tendência em não falar sobre. Talvez, quando começarmos a pensar na morte como algo que faz parte da vida de forma mais clara, poderemos passar a valorizar muito mais o estar vivo, e pensar nos bons momentos, com a real importância que eles deveriam ter, ou se dar a eles.

ESCONDERIJOS DO TEMPO: A morte como abandono, como perda, como dor. Mas também está no livro, a morte como algo que podemos ressignificar, elaborar, seguir com ela, transformar os sentimentos. É para falar sobre complexidades como estas que nós humanos inventamos a arte? E a literatura infantil abriga estes “nós” da vida de maneira diferente?

AR: É uma história sobre perdas, mas sobre reencontros também. Uma criança perde seu cachorro. Um amigo se muda do bairro. Os pais se separam. A morte, a partir do livro, pode ser discutida de diversas maneiras. A morte não é somente a do ser vivo que deixa de viver. A morte pode passar por algo que deixa de existir pra você da maneira que você conhecia anteriormente. E também não deve ser vista como algo ruim. É transformação.
Acho que a arte contribui, sim, para o homem procurar entender a si mesmo. Suas aflições, aspirações. Enxergar que o outro tem as mesmas aflições que ele, mas que pode perceber o entorno de forma completamente diferente, e nem por isso sua forma de pensar é menos importante. A arte talvez procure sintetizar a vida. Na literatura, infantil ou não, pode-se tudo. Não consigo falar como catedrático, mas pensar numa literatura para infância passa por dar repertório não só na formação de um leitor, como na formação da pessoa, que pode passar a enxergar o mundo de uma maneira mais sensível.

ESCONDERIJOS DO TEMPO: Qual é seu grande sonho guardado em uma nuvem? O que há em seu Esconderijo do Tempo?

AR: Meu grande sonho é poder ler nessa vida, tudo o que eu gostaria ler. Mas acho que vou precisar de mais umas duas vidas.

A Princesa e o Pescador de Nuvens, Editora Panda Books
textos e ilustrações de Alexandre Rampazo
2014

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