25 livros para entender o papel da Cosac Naify e o livro ilustrado

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Dia 30 de novembro o mercado editorial brasileiro – e muitos leitores – foi surpreendido com a notícia de que a editora Cosac Naify, 20 anos após sua abertura, encerraria suas atividades. Conhecida por livros de arte, clássicos, sofisticação no acabamento e por “bancar” projetos caros, a editora também marcou a história da literatura infantojuvenil e do livro ilustrado no Brasil, seja importando obras históricas do gênero no mundo, seja apostando em projetos de autores brasileiros. Por todas as razões, a editora acumula prêmios no Brasil e no exterior. Mas, o legado que deixa para o livro para a infância está no catálogo que, agora, todo mundo quer saber para onde vai.

Da sedimentação do departamento infantojuvenil para cá, especialmente nos últimos 10 anos, a editora marcou as prateleiras de livrarias e, sim, expôs outras referências para quem fazia livro para crianças e jovens por aqui. Não por acaso, o mercado mudou, inclusive com novas editoras, novas empreitadas, novos sonhos. Bancá-los não é fácil, muito menos barato, principalmente em um país que ainda não valoriza a leitura – e muitos menos as narrativas visuais – como poderia.

Para entendermos o papel da editora e entender a lamentação quase generalizada, segue aqui uma lista de alguns livros da editora que impactaram a minha história com o livro ilustrado.

 

Onda, Sombra e Espelho, de Suzy Lee e A Trilogia da Margem

Os três livros da autora sul-coreana compõem a “trilogia da margem”, chamados assim pela importância da autora que a autora deu à dobra interna do livro.

ONDADENTRO

Em Onda, uma menina visita uma praia e enfrenta o mar com toda a sua meninice, atitude e beleza. Publicação horizontal, os detalhes que fazem vermos a história separada em página esquerda e página direita são o entrenimento à parte;

SUZELEE-SOMBRADENTRO

em Sombra, a brincadeira é a velha conhecida das infâncias: a autora divide o livro entre em cima e embaixo, usando a dobra do livro como uma espécie de divisor o que é “real” e o que é “imaginação” na mente de uma criança. Coloquei entre aspas porque é justamente esta nossa lógica que ela rompe com o livro;

ESPELHOSUZY

por fim, em Espelho, a margem do meio do livro é mais um elemento para narrar a relação de uma menina com seu reflexo, jogando com o leitor a mesma brincadeira de fantasia e realidade e ainda simbolizando as tantas descobertas sonre nós mesmos.

TRILOGIAMARGEMCAPA

Em A Trilogia da Margem, também lançado aqui pela editora, Suzy Lee expõe o processo criativos dos três livros, discute a relação com os limites do livro e ainda revela reações de leitores (inclusive alguns do Brasil) às suas obras. É um livro, a meu ver, completo. “Quando duas páginas de um livro são abertas, elas se tornam um único e amplo espaço. Na realidade, as páginas duas são dois espaços separados por uma margem, mas, ao ler, o leitor tende a ignorar a dobra central da encadernação. Há uma regra editorial implícita de que o artista do livro ilustrado deve evitar desenhar no centro das páginas duplas para não perturbar a leitura. Mas o que será que acontece quando essa regra é ignorada?”, diz ela no livro. “E se os componentes físicos do livro se tornassem parte da história? E se o próprio livro se tornasse parte da experiência de leitura?”. Isso é lindo, não?

Lampião e Lancelote


LAMPIAOLANCELOTE

 

Certa vez, fui procurar este livro para dar de presente em uma grande livraria de São Paulo. Cheguei à seção de livros infantojuvenis e dei o nome à vendedora: não tinha. Mas era um engano. O livro estava na seção dedicada aos livros de arte. O escritor e ilustrador paulistano Fernando Vilela criou, com a editora, um marco na história do livro ilustrado brasileiro e o inusitado vem na forma e conteúdo: na história, um encontro-confronto-inesquecível entre o cangaceiro brasileiro e o cavaleiro da Távola Redonda do Rei Arthur. Escrito ora em verso nas sextilhas do cordel sertanejo, ora em prosa no tom das narrativas medievais, a história nos é exposta em grandiosas ilustrações (o livro tem 35cm por 24cm!) em cores especiais, que se intensificam e se colorem conforme o enredo manda. Foi premiado dentro e fora o país e passou da quinta reimpressão.
Neste vídeo, ele conta um pouco sobre a obra:

 

A Árvore Generosa

ARVOREGENEROSA

 

O livro clássico do autor norte-americano Shel Silverstein foi relançado pela editora com a mesma tradução de Fernando Sabino feita originalmente na edição brasileira. No conto, a relação de amizade, entrega e cumplicidade entre uma árvore e um menino. A pretexto de uma espécie de “fábula ecológica”, uma profunda metáfora do amor incondicional experimentado na maternidade ou paternidade, suas características intrínsecas e suas consequências. O traço de Silverstein também é marcante (uma linha diz tudo) e cheio de significado e uma tocando simplicidade. Uma história impossível de esquecer.

Onde Vivem os Monstros ondevivemosmonstrosilustracao

 

De um dos autores da literatura infantojuvenil mais aclamados do mundo, esta é sua história também mais emblemática. Um menino contraria as ordens da mãe e é mandado para o quarto sem jantar. A fúria é o primeiro passo para um mergulho na imaginação, mas também uma chance de dar evidências às “coisas sem nome” que vivem em cada um de nós. Lançado em 1963 e em 201 que o torna clássico também diz respeito às ilustrações e ao projeto gráfico: conforme a imaginação ganha força, os desenhos crescem nas páginas, dando espaço a silêncios desejados pela intensidade da história. O livro chegou aqui quase 50 anos depois de seu lançamento, em 1963.

 Contos Maravilhosos Infantis e Domésticos de GrimmGRIMMCOSACA Cosac publicou uma série de histórias em domínio público, como Alice no País das Maravilhas, Pinóquio, Peter Pan e, uma das mais belas edições, a com os Contos Maravilhosos Infantis e Domésticos de Grimm. Para cada lançamento, um projeto gráfico mais do que especial, com ilustradores criativos e de renome. Para os Grimm, o companheiro escolhido para as histórias traduzidas do original alemão foi o pernambucano J. Borges, um dos mais importantes gravuristas brasileiros. Em dois volumes, os 156 contos costurados à xilogravura de Borges inspiraram até uma exposição no Sesc Interlagos.

Ops

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Mas como se faz um livro para bebês? Poucas palavras e ilustrações com cores bem fortes? Hummm, acho que não foi bem isso que a autora mineira Marilda Castanha pensou ao criar este livro. Em papel cartonado do tamanho (16cm por 16cm) bom para criança manusear, ele é uma sequência de cenas deliciosas de narrar para o bebê, inspirando sons do adulto e da criança (uoooooooooops!), ao mesmo tempo em que sugere uma autonomia de leitura ao bebê.

 

Contos de Lugares Distantes

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O australiano Shaun Tan é um dos mais falados autores de livros ilustrados no mundo. Esta série de histórias de realismo fantásticos nos captam em cheio na profundidade das metáforas, nas belezas das narrativas. Para cada uma delas, uma ou mais ilustrações que nos remetem ao conteúdo ao mesmo tempo em que nos elevam a outras referências como leitores. Quais são os nossos lugares distantes? O que desejamos deles?

 

Marcelino Pedregulho

Quarenta anos após sua publicação original, este livro de Jean-Jacques Sempé, um dos maiores cartunistas do mundo, chegou no Brasil como se fosse novo. A atemporalidade dele chega a ser emocionante: na história, Marcelino é um menino que fica vermelho sem qualquer motivo. E, quando deveria enrubescer, não acontecia. Preferia sempre brincar sozinho, para que não ficassem só falando de sua característica. Até que, um dia, ele conhece Renê Rocha, também um solitário: o garoto espirrava por qualquer coisa, a qualquer hora. E ficaram amigos e é nos detalhes que esta história se torna um marco.

Eis um vídeo que amo, que produzi com o Henrique Sitchin, criador da Cia Truks, para o site da revista Crescer:

O Cântico dos Cânticos

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A mais importante obra da artista mineira Angela-Lago volta a impactar o Brasil em 2013, quando a Cosac publica em uma edição especial. Originalmente lançado em 1992 pela Editora Paulinas, o livro ganhou capa dura com novas tonalidades e um toque especial: as informações bibliográficas e prefácios vêm em uma cinta à parte. O motivo? É que o livro de Angela não tem começo, não tem fim. Em suas ilustrações com referências às iluminuras, às miniaturas medievais e islâmicas, aos trabalhos de William Morris e Escher, estão ali um encontro de dois jovens que “se buscam e se perdem: é tudo”, diz a artista que intencionava mesmo um poema visual, sem palavras, inspirado nos versos da Bíblia. “Uma curta oração, feita em um quarto escuro, com a matéria de um sonho. E talvez por isto, eu tenha que pedir ao leitor até mais do que duas leituras: uma contemplação. Tenho que lhe pedir, não mais que ele reivente ou construa histórias, mas que se permita o devaneio poético”, nos convida a autora.

 

Fique Longe da Água, Shirley

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O inglês John Burningham é um dos pioneiros do livro ilustrado moderno na Inglaterra. Neste livro (e em outros dois lançados pela Cosac, como o Hora de Sair da Banheira, Shirley! e Vovô, o autor faz o que se chama de “contraponto” no livro ilustrado: a história se passa no mesmo tempo, mas sob perspectivas diferentes. E, o mais interessante: se só se ler o texto, não é possível entender o livro. Isto porque, do lado esquerdo, a realidade, os pais de Shirley na praia; na página da direita, a imaginação da menina correndo leva, sem limites. O leitor assiste, então, a duas experiências em um mesmo lugar, algo muito comum nas convivências entre adultos e crianças. Incrível. (adoro esta assinatura dele na capa!)

O Dariz DARIZ

 

Quando um nariz entupido decide sair em busca de um lenço para assoar, tudo pode acontecer. Ele pode encontrar um pequeno botão que também acha que é um nariz; uma tromba perdida, um focinho de porco… Mas o francês Olivier Douzou não se limita à história para narrar algo em puro nonsense. Além de ilustrações divertidas e um projeto gráfico especial, ele escreve todo o texto como poderíamos imaginar que fosse um dariz endupido. “Cabinhamos bor um bom tempo. O cabinho era longo. No cabinho dambém desgobrimos que ninguém gonhecia o cabinho. Esdávamos cabinhando a esbo à brogura do lenço crande”. Para ler (só) em voz alta.

 

Mamãe Zangada

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A alemã Jutta Bauer tem um jeito especial de olhar para como encaramos os revezes da vida. É assim em Selma, a ovelha que sabe ser feliz; em O Anjo da Guarda do Vovô com sua perspectiva de uma vida bem vivida. Mas em Mamãe Zangada ela simplesmente expõe uma ferida da relação com os filhos que ninguém – nem filho, nem mãe, nem pai – quer olhar. Quando a mãe grita com seu filho, ele se despedaça e suas partes voam por todo o mundo. No decorrer das páginas, vamos acompanhando o filho em pedaços e, no final, um pedido de desculpas tão emocionante quanto uma metáfora poética destas pode ser. Dá para consertar um grito destes?

Fico à Espera

Fico-à-espera-capa

 

Uma linha vermelha conta toda a narrativa visual, com poucas palavras, imaginada por Davide Cali e Serge Bloch. É o fio da vida. A textura do cordão vermelho se destaca nos contornos simples que nos revelam as tantas esperas que nos aguardam durante a vida. Tão emocionante quanto virar as páginas, é chegar ao final e descobrir que é hora de recomeçar.

IsmáliaISMALIA

 

Poderia um poema do Simbolismo brasileiro, do mineiro Alphonsus de Guimarães (1870-1921), se tornar um livro ilustrado? Pelo projeto especial do escritor, ilustrador e pesquisador Odilon Moraes, sim. O autor de Pedro e Lua (uma fábula cotidiana belíssima sobre a amizade de um menino e sua tartaruga, também da Cosac) cria aqui uma experiência visual em que os devaneios do poeta se desdobram em páginas espelhadas, em um sanfonado emocionante em que torre, céu e mar se apresentam iluminados pela lua. Estão lá a loucura, o suicídio, a dor… “Quando Ismália enlouqueceu/ pôs-se na torre a sonhar (…) E como um anjo penseu as asas para voar…”

 

Na Noite Escura

O italiano Bruno Munari (1956-1998) foi um aclamado artista no mundo do design, um grande projetor de produtos industriais, cenários para exposições e outros trabalhos. Mas em 1953 ele marcou a história do livro com uma exposição em Nova York com a sua experiência “livros-ilegíveis”, feitos com páginas coloridas, rasgadas perfuradas ou costuradas. Na Noite Escura nasce desta ideia e nos conduz a entender a função de uma pequena luz amarela na história de um gato. História? Mas quem falou em história? Quem falou em gato? No meio do livro tem um… vagalume! E uma caverna, e um urso… E Munari ainda deixa outros tantos livros para mexer com a criança (e perturbar os adultos).
Aqui, um vídeo com a edição de Portugal, da Bruaá Editora:

 

O Livro Inclinado LIVROINCLINADOCAPA

 

Certo bebê vive no alto de uma rampa. Um dia, sua babá soltou seu carrinho, por distração e daí começa uma corrida inesperada que passa por toda uma cidade, assombrando os moradores, desesperando a cuidadora e divertindo o garoto!

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A narração ganha mais sentido, vigor e graça em um projeto gráfico ousado: o livro está inclinado, o que faz a sensação de descida das ilustras e da história se tornar única. Melhor ainda quando ficamos sabendo quando o norte-americano Peter Newell lançou o livro: 1910.

 

O Pato, a Morte e a Tulipa

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A premiada história do alemão Wolf Erlbruch (um dos principais autores do livro para a infância do mundo) não é lá fácil de engolir. Afinal, um dos personagens é a morte. O outro, um adorável pato que não estava esperando este encontro tão cedo. Mas não é que a morte decide ficar um pouquinho mais por ali? E se envolve com o cotidiano dele até que… até que a tulipa assume tudo.

Neste vídeo, uma animação com a obra:

 

Ter Um Patinho É Útil

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De um lado de um livro em formato sanfona, as vantagens que um menino vê em ter um patinho como servir de chapéu, de apito, de cachimbo… Do outro, a vantagem que um patinho enxerga em ter um menino, como massagem nas costas, ganhar beijinhos.

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Já seria boa a ideia não fosse a premiada autora argentina Isol ter deixado as mesmas ilustrações dos dois lados, o que dá o impacto das duas perspectivas.

 

Estes são apenas alguns dos livros que a editora publicou no Brasil seja intensificando as traduções do acervo estrangeiro, seja apostando em obras brasileiras que, pelo menos até sua publicação, autores poderiam não ter saído da posição de “apenas um projeto”. O investimento na ampliação da concepção do livro ilustrado – vivida por uma equipe do departamento infantojuvenil, por 13 anos sob a coordenação da editora Isabel Lopes Coelho – foi também na tão rara literatura sobre o assunto. É da Cosac os livros Era Uma Vez uma Capa, de Alan Powers, Para Ler o Livro Ilustrado, de Sophie Van der Linden e Livro Ilustrado: Palavra e Imagem, de Maria Nikolajeva e Carole Scott que, mesmo com referências construídas em publicações não brasileiras (mas muitas já aqui traduzidas).

Em 2012, o lançamento de Traço e Prosa, de Odilon Moraes, Rona Hanning e Mauricio Paraguassu aprofundam a história do livro ilustrado no Brasil, com 12 entrevistas com ilustradores brasileiros, fundamentais para entendermos e conhecermos a nossa estrada até aqui.

Agradecimentos especiais a Vanessa Gonçalves, uma das editoras do infantojuvenil pela parceria de todos estes anos com base na informação, na paixão pelo livro ilustrado e, acima de tudo, na ética.

 

 

 

 

 

 

5 COMENTÁRIOS

    • Que bom que você curtiu! Viva a informação, né? Nosso papel mesmo é o de estreitar o caminho do prateleira ao leitor… são esforços nada fáceis e precisam todos fazerem sua parte. Mas vamos que vamos!

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