10 (ou mais) COISAS QUE ADOREI SABER SOBRE ALICE NO PAÍS DAS MARAVILHAS

7148
A mais famosa, a original: a Alice de John Tenniel
A mais famosa, a original: a Alice de John Tenniel

LIVRO: ALICE NO PAÍS DAS MARAVILHAS

AUTOR: LEWIS CARROLL (1832-1898), pseudônimo de Charles Lutwidge Dodgson, inglês da pequena cidade de Daresbury, condado de Cheshire, perto de Manchester. Filho mais velho, divertir seus sete irmãos com jogos e passatempos criados por ele mesmo. Formou-se na Universidade de Oxford, onde lecionou matemática e ficou amigo de Henry Liddel, pai de três meninas, entre elas uma chamada Alice.

ILUSTRAÇÕES: JOHN TENNIEL, original e centenas mais

ANO DE PUBLICAÇÃO: 1865

 

  1. Certa vez, Lewis Carroll escreveu numa carta para uma criança sua amiga: “Você costuma brincar de vez em quando? Ou a ideia que você faz da vida é ‘café da manhã, fazer lições, almoço, fazer lições e assim por diante?… Essa seria uma forma muito organizada de viver, e seria tão interessante quanto ser uma máquina de costura ou um moedor de café”.
  2. Segundo a crítica inglesa Juliet Dusinberre, Alice No País das Maravilhas evidencia o papel inovador e revolucionário de Carroll como forma de mudar um panorama de comportamentos vividos pelas crianças no século 19. Sob o rígido governo da Rainha Vitória, o conservadorismo cultural e a moral puritana não permitiam desvios à rotinas metódicas e normas de conduta e virtude. Carroll satiriza o mundo dos adultos, o jeito pomposo e hipócrita, uma seriedade aborrecida, falta de espontaneidade, arrogância autoritária, etc. “Alice, nesse sentido, é uma figura rebelde, que enfrenta, cheia de espanto e indignação, as criaturas presunçosas, mal-humoradas e falastronas do Mundo das Maravilhas”, afirma Nicolau Sevcenko (1952-2014), importante escritor, historiador e professor da USP e da Universidade de Harvard, e tradutor da versão do livro da editora Cosac Naify lançado em 2009 com ilustrações de Luiz Zerbini.
  3. A influência de Carroll para o que se seguiu na literatura daquele momento em diante foi gritante. E não só na dita “literatura para crianças”. Ainda segundo Sevcenko: “Incorporando a espontaneidadem a vivacidade lúdica e a extraordinária habilidade dos petizes em parodiar o mundos dos adultos, ela desafiaria as convenções da cultura oficial, plantando sementes da revolução estética que fundaria a arte moderna. Escritores diretamente influenciados por Carroll, como Robert Loius Stevenson, Rudyard Kipling, Mark Twain, Oscar Wilde e Virginia Woolf abririam os muitos caminho dessa transformação estética que está na raiz da cultura contemporânea.”
  4. Foi em 4 de julho de 1862 que tudo começou: Lewis Carroll estava em um passeio de barco com as filhas de seu amigo Henry Liddel, quando improvisou uma história fantástica em que uma das meninas, Alice, era a principal. Carroll tinha uma polêmica predileção pela companhia das crianças – não sabemos se polêmica por fatos ou pela falta de informações e tantos mistérios que envolvem esta amizade. A pedido da garota, a história se transformou em livro, mas em um único e manuscrito exemplar também ilustrado pelo autor com o nome de As Aventuras de Alice Debaixo da Terra. Teriam sido sete meses com a elaboração do livro e outros sete na produção das ilustrações. Em 1865, Carroll decidiu publicá-lo com o título que conhecemos, com as ilustrações de John Tenniel, já famoso na época. Porém, recolheram esta edição por julgarem mal impressa e em 1866 a Oxford Press fez nova tiragem.
  5. A história da menina Alice com o livro, no entanto, terminou de uma maneira nada poética: ela conservou o livro com cuidado até os 75 anos de idade, “quando então o vendeu em leilão, pois, tendo ficado viúva, necessitava obter recursos financeiros para se manter”, escreve Myriam Ávila, professora da Universidade Federal de Minas Gerais e especialista na obra de Carroll, em apêndice a uma recriação do livro em português (Aventuras de Alice no Subterrâneo feita pela designer Adriana Peliano, que já tinha há anos um projeto pessoal de recriar a caligrafia do autor para os leitores brasileiros), lançado pela Editora Scipione em 2011. Mesmo tendo colocado no mercado o Alice no País das Maravilhas e Alice Através do Espelho, vinte anos depois do manuscrito da menina, Carroll pediu-o emprestado para uma edição fac-similar.
  6. O poema em forma de cauda de rato já existia no original, mas os versos eram diferentes.
  7. “Na Inglaterra ainda se acredita que raramente um autor foi tão bem servido por um ilustrador como Lewis Carroll foi por John Tenniel mesmo a obra tendo sido ilustrada por centenas de artistas em todo o mundo. É bom lembrar que, desde o início do século XX, produziram-se, nas mais diferentes linguagens visuais, Alices em variados estilos: art noveau, art déco, surrealista, pop, psicodélico, futurista, gótico, naïf, étnico, dark, steampunk, e tantas outras mil maravilhas. (…) A Alice de Tenniel, ainda que seja cativante, é mais comportada, fria, hierática e distante do que acontece ao seu redor. Já a de Carroll exala uma sinistra melancolia, ao mesmo tempo que nos encara com olhares perturbadores e enigmáticos”, escreve Adriana Peliano em artigo no mesmo apêndice da edição da Scipione.
  8. Segundo o site Universia Brasil, Alice foi traduzido para quase 100 idiomas diferentes, e é o sétimo livro mais traduzido no mundo.
  9. A primeira tradução no Brasil foi feita em 1931, pela Companhia Editora Nacional, por Monteiro Lobato. Sobre ela, há um belíssimo comentário na introdução da edição da editora, de 2005 (com ilustrações de Darcy Penteado), feito pela professora Nelly Novaes Coelho, a principal estudiosa de literatura infantojuvenil no Brasil: “Alice é uma espécie de ‘avó’ da Narizinho. Em 1920, ao decidir criar uma nova literatura para as crianças brasileiras, Lobato encontrou na queda do poço, sofrida por Alice, o elo mágico que lhe permitiu ligar o mundo real (o Sítio da vó Benta) ao mundo maravilhoso (o Reino das Águas Claras). Tal como Alice, ao perseguir o Coelho Falante, cai no poço e chega do País das Maravilhas, Narizinho, ao seguir o Peixe Falante, entra no ribeirão e chega no Reino das Águas Claras. Mas em lugar do universo sem-sentido ameaçador de Carroll, o mundo lobatiano fundiu a realidade do cotidiano com a magia dos contos de fadas… Tudo vira uma grande e feliz aventura. Em essência, ambos os mundos se completam: o de Carroll e o de Lobato.”
  10. Segundo Lobato, é “culpa” de Narizinho a tradução para o Brasil. “Tanto insistiu esta menina em vê-la em português (Narizinho ainda não sabe inglês), que não houve remédio, apesar de ser, como dissemos, uma obra intraduzível.

–       Serve assim mesmo – disse ela ao ler a tradução da primeira parte hoje publicada (a segunda, Through the Looking Glass, ainda é mais maluca) – Dá uma ideia, embora “muito pálida”, como diz a Emília…”, diz trecho do prefácio de Lobato para a obra. Ele se refere a um parágrafo anterior em que afirma que traduzir é sempre difícil. “Traduzir uma obra de Lewis Carroll, mais que difícil, é dificílimo. Trata-se do sonho de uma menina travessa – sonho em inglês, de coias inglesas, com palavras, referências, citações, alusões, versos, humorismo, trocadilhos, tudo inglês – isto é, especial, feito exclusivamente para a mentalidade dos inglesinhos.”

A versão de Monteiro Lobato, 2005, com ilustras de Darcy Penteado (Ed. Companhia Editora Nacional)
A versão de Monteiro Lobato, 2005, com ilustras de Darcy Penteado (Ed. Companhia Editora Nacional)

Há uma beleza especial nas histórias ditas “voltadas para as crianças e jovens”: elas podem. Podem o que? Ah, podem várias coisas. Podem, inclusive, enganar-nos com uma falsa maluquice para nos fazer refletir sobre a vida. Ou nos mostrar que, até na maluquice, há sempre uma lógica. A grosso modo, isso é um dos pontos que nos oferece o nonsense e o nonsense é um dos recursos fabulosos usados por Lewis Carroll em uma das obras literárias mais traduzidas, vendidas, adaptadas e lidas do mundo: Alice no País das Maravilhas. Como o livro está completando 150 anos neste mês de julho, muitos jornais, revistas e sites especializados no mundo todo fizeram reportagens, estudiosos publicaram artigos e há uma série de atividades em Nova York para comemorar, com curiosidades que parecem não ter fim. E não tem mesmo: Alice é, até hoje, recheada de enigmas e não somente na narrativa, mas também nos porquês que levaram um professor de matemática que adorava estar com crianças criar uma história em homenagem a uma delas em especial: Alice Liddel, em um belo passeio de barco pelo rio Tâmisa em um inesquecível 4 de julho. Uma história de uma menina que, ao perseguir um coelho, cai em um mundo subterrâneo repleto de personagens incríveis e confusos, feito um sonho, feito um mergulho nas próprias perguntas existenciais.

Não à toa, as tantas ilustrações nos deleitam em semelhanças e diferenças:

Os manuscritos de Carroll transformados em português pela artista Adriana Peliano (Ed. Scipione)
Os manuscritos de Carroll transformados em português pela artista Adriana Peliano (Ed. Scipione)

 

 

A mais famosa, a original: a Alice de John Tenniel
De Helen Oxenbury, aqui pela Editora Salamandra
De Helen Oxenbury, aqui pela Editora Salamandra
Da empresa Coolgraphics
Da empresa Coolgraphics

 

O projeto gráfico mais divertido, com ilustras de Yayoi Kusama (aqui pela Ed. GloboLivros)
O projeto gráfico mais divertido, com ilustras de Yayoi Kusama (aqui pela Ed. GloboLivros)

 

O que mais me atrai sempre ao reler Alice no País das Maravilhas é o fato de os valores humanos estarem tão explícitos quanto enigmáticos: não seria essa a relação mais próxima da nossa realidade? Ou há coisa mais complicada do que lidar com os valores Humanos?

Alice se compõe numa sucessão de perguntas dos nossos costumes, regras, pensamentos… e não só do período vitoriano em que vivia Carroll: mas por uma necessidade humana de questionarmos o que vivemos. “Ele foi escrito como um antídoto contra o embotamento da imaginação, o travo da inteligência e a contenção da graça”, diz Sevcenko.

Foi quando se surpreendeu, ao ver o Gato Inglês sentado num galho de árvore a pouca distância dali. O Gato apenas sorriu quando viu Alice. Parecia muito simpático, ela pensou. Tinha, porém, garras muito longas e uma porção de dentes, de modo que ela considerou que deveria tratá-lo com respeito.

–       Gatinho inglês – começou ela, meio tímida, pois não tinha muita certeza de ele iria gostar de ser tratado desse modo.

O Gato apenas alargou o sorriso.

“Ora vejam só! Parece que ele está gostando muito”, pensou Alice e foi em frente. – Você pode me dizer, por gentileza, como é que faço para sair daqui?

–       Isso depende muito de para onde você pretende ir – disse o Gato.

–       Para mim tanto faz onde que quer seja… – respondeu Alice.

–       Então, pouco importa o caminho que você tome – disse o Gato.

–       … contanto que eu chegue em algum lugar… – acrescentou Alice, explicando-se melhor.

–       Ah, então certamente você chegará lá se continuar andando bastante… – respondeu o Gato.

Alice achou que não podia negar isso; tentou, portanto, uma outra pergunta:

–       Que tipo de gente vive por aqui?

–       Naquela direção – disse o Gato, apontando com a pata direita – mora um Chapeleiro e naquela direção – fez ele, apontando com a outra pata – vive uma Lebre Aloprada. Visite qualquer um deles, tanto faz. Ambos são loucos.

–       Mas eu não quero ir parar no meio de gente maluca – observou Alice.

–       Ah, mas não adianta nada querer ou não – disse o Gato. – Nós somos todos loucos por aqui. Eu sou louco. Você é louca.

–       E como é que você sabe que eu sou louca? – perguntou Alice.

–       Bem, deve ser – disse o Gato – ou então você não teria vindo parar aqui. 

E você, por acaso, sabe por que leu tudo isso?

Deixe uma resposta