O QUE SE FEZ PELO PODER NO BRASIL?

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Obra recente do autor mineiro Nelson Cruz trata a história de nosso Brasil usando a cadeira da presidência da República como fio condutor: dados históricos em um misto de jornalismo e a mais bela literatura

 

Por Cristiane Rogerio

Era uma conversa de família, quando meu irmão contou que dias antes falava com as filhas sobre os presidentes que o Brasil já teve, recuperando desde a tal “proclamação da República” aos nossos péssimos dias de hoje. Na hora, uau, lembrei-me que ainda não havia mostrado a ele o novo livro do autor mineiro Nelson Cruz, um de nossos mais importantes artistas, A Cadeira do Rei, lançado no final do ano passado pela Editora Peirópolis. Eu falei do livro em uma das edições da revista Crescer, onde escrevo resenhas indicando livros para crianças até 8 anos, sabendo que para os leitores mais jovens talvez seja apenas jogar uma bela semente sobre as questões de poder às crianças (o que já bastante coisa para mim).

Mas para pré-adolescentes, adolescentes, jovens, adultos e por aí segue…

… nossa, que livro NECESSÁRIO para este momento. Assim, com caixa alta.

Por quê?

Porque o livro é uma potência de texto e imagem – Nelson traz suas caricaturistas para o livro – para mergulharmos em detalhes da História do Brasil.

Cada dupla – com algumas justificadas exceções – um líder brasileiro nos é apresentado.

Tudo a partir da ocupação ou não da cadeira.

“Que dom João tinha uma cadeira preferida para se sentar e trabalhar, todos da Corte já sabiam. O que ninguém esperava é que, com o exército de Napoleão a poucas horas de invadir Lisboa, o regente português resolvesse fugir de seu país e carregar a tal cadeira para o distante Brasil.”

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Deste momento em diante, então, o autor mantém um mesmo formato e no virar de páginas seguimos a linha cronológica da política brasileira.

 

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O leitor vai se dando conta de que há uma narrativa do objeto cadeira por todo o livro – como essa irônica e divertida imagem do filho do príncipe regente aos 5 anos de idade, herdando a cadeira. O humor também vai para o texto, com a dose entre real e ficção típica do trabalho de Nelson Cruz.

“Determinado a abdicar do trono do Brasil e assumir o de Portugal, chamou seu filho Pedro, de cinco anos de idade, e disse: ‘Meu mui amado filho Pedro de Alcântara João Carlos Leopoldo Salvador Bebiano Francisco Xavier de Paula Leocácia Miguel Gabriel Rafael Gonzaga de Bragança, retiro-me para Portugal, mas deixo para ti o título de Imperador do Brasil e… minha cadeira.’ E o pequeno, sentando-se, declarou oficialmente: ‘Buááááá!”

Entre detalhes que a gente sempre esquece e uma inevitável vontade de ir puxando pela memória a linha do tempo que deveríamos conhecer, mais ironia de Nelson com o uso da palavra cadeira é um deleite.

“Durante a Segunda Guerra Mundial, o Estado Novo revelou a sua tendência fascista. Colaborou com o nazismo, atendendo a pedido de Adolf Hitler pela extradição da comunista Olga Benário, esposa de Luís Carlos Prestes, líder do Partido Comunista Brasileiro. Entretanto, navios brasileiros foram atacados e afundados no oceano Atlântico por submarinos alemães. Pressionado pela opinião pública, declarou guerra à Alemanha. Com o final do conflito, a influência da democracia anistia para centenas de presos políticos. Mas, antes do final do mandato, foi deposto por um golpe militar comandando pelos generais de seu próprio ministério. E, assim, a cadeira ficou livre.”

Mas vem José Linhares, que fica só um ano e com a missão de encaminhar o país a uma nova Constituição, chega Eurico Gaspar Dutra, ex-ministro de Vargas, que volta depois de vencer as eleições.

“Austucioso, Vargas foi reeleito e retornou à cadeira.”

E a crise política com o atentado contra o jornalista Carlos Lacerda e, depois, o suicídio de Vargas que, vendo essa linha do tempo, parece uma reverberação sem fim.

 

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No meio da leitura, mesmo ele já conhecendo a tal história, meu irmão não segurou a exclamação:

“A GENTE NUNCA TEVE SOSSEGO!”

É isso, Jô. Não tivemos sossego. Que luta viver nesse país que começa enterrando corpos e cultura indígenas, governando por interesses diversos entre militares e meninos mimados, sob respingos das guerras mundiais e forte atuação religiosa, uma perversa política econômica com base na escravidão (que só se transformou, mas nunca teve um fim), com oligarquias agrícolas poderosas, interesses de nações estrangeiras, mortes inesperadas de pessoas sentadas ou prestes a sentar na cadeira, desigualdades imensas de entendimento da política, dos direitos, da educação e da cultura. Líderes covardes tomando decisões surreais contra militantes que precisavam se esconder para lutar. Ditaduras, censuras, injustiças sociais, reviravoltas, democracias nunca consolidadas.

Tudo pela cadeira do rei.

O que mais agora?

 

A CADEIRA DO REI

De Nelson Cruz

Editora Peirópolis

2020

 

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